Ac. Fiuza leu “David Copperfield”, de Charles Dickens
David Copperfield – resenha
Dickens foi admirado por Machado de Assis. Foi admirado por Tolstoi. Não precisaria de mais referencias. Entretanto eu nunca me motivara a abrir um de seus livros. Minha resistência talvez tenha vindo dos filmes que adaptaram suas obras. Eu os achara muito pesados. Não me animava a pegar um livro de mil páginas para acompanhar sofrimentos intermináveis.
Encarei então como um desafio, talvez com uma pitada de sacrifício para terminar de vez um ano de epidemia. Peguei o calhamaço “David Copperfield” e abri o primeiro capítulo logo depois do Natal.
Foi fantástico! Não adianta. Clássico é clássico!
São mil páginas que passam voando, tal como uma série da Netflix. Trata-se de uma trama complexa, com muitos personagens expostos em profundidade, tal como gostava Tolstoi. Isto é feito com estilo leve, muitíssimo elegante, como encantava Machado de Assis.
A tragédia está lá. O menino que é maltratado demais na sua triste infância: pelo padrasto, pela irmã deste, depois pelo professor do colégio interno e finalmente pelo patrão do primeiro emprego (ainda criança). Apesar do sofrimento do pequeno David e da maldade dos vilões, Dickens frequentemente nos surpreende com cenas que nos levam, de repente, a grandes gargalhadas. A tensão se dissipa, até nos abraçar novamente.
Os 64 capítulos do livro foram publicados em fascículos periódicos em jornal da época. Cada um tem sua pequena história, que termina com um chamado para o capítulo seguinte. Conta a história do David ao longo de sua vida, mudando o estilo da narrativa de acordo com a fase da vida. Assim, a perspectiva da criança define a narrativa na infância, depois a do adolescente e finalmente a do adulto.
Há um desfile enorme de personagens e isto pode confundir, com tantos nomes de famílias inglesas. Mesmo alguém que tenha tido papel importante em alguma fase da vida de David pode desaparecer por centenas de páginas, reaparecendo no futuro. Eu, por vezes, não me lembrava mais do mesmo, sendo obrigado a fazer uma pesquisa no “passado”, o que é um pouco chato. Eu sinto que alguns desses personagens poderiam ter sido suprimidos sem prejuízo para a história (será que o jornal pediu que ele esticasse?). Entretanto, isto não quebra nosso interesse, que só cresce.
Dickens não nos dá o trabalho de julgar os personagens principais. Fica muito claro que, quem é bom é muito bom e quem é ruim, é péssimo. Nós torcemos muito pelos primeiros e ficamos aguardando o momento da vingança contra os últimos. Entre os coadjuvantes encontramos muita diversidade de caráter e muita riqueza emocional.
A Inglaterra do século XIX é exposta em toda sua crueza ou mesmo brutalidade. Exploramos suas paisagens, seu clima austero, habitamos em luxuosos casarões e em cubículos malcheirosos. Vivemos em cidades grandes e pequenas, a beira do rio ou em marinas. Viajamos a cavalo ou em carruagens, mas andamos muito a pé e atolamos o pé na lama. Desfrutamos de lindas paisagens e sofremos com terríveis tempestades. E os malvados lá, em cada esquina, espreitando e dando os botes.
Como todo romance bom, há momentos em que não conseguimos largar e ficamos até de madrugada, envolvidos com a trama. Mesmo nos momentos menos tensos, nós nos surpreendemos com algum detalhe interessante da vida e da cultura daquela gente.
Não tem jeito. Clássico é clássico.
Resenha de Ronald Fiuza