Ac. Fiuza leu “O que é a vida”, de Erwin Schrödinger

O que é a vida – Erwin Schrödinger

Esse livrinho extraordinário, publicado em 1944, representa a intuição de um gênio da física no terreno estranho da biologia, com conclusões que trariam fundamentais repercussões no futuro.

O austríaco Erwin Schrödinger ganhara o Prêmio Nobel de física em 1933, por suas contribuições no desenvolvimento da mecânica quântica. Ele ficou mundialmente conhecido pela sua experiência mental do “gato de Schrödinger “.

No primeiro capítulo de “O que é a vida”, Schrödinger nos traz exemplos que ilustram como as leis da física clássica estão apoiadas na estatística. Ele demonstra que um átomo pode se comportar de maneira errática para nós, mas um corpo composto de trilhões de átomos obedece às leis da física clássica.

Entretanto, não é apenas pelo resultado estatístico da ação conjunta de trilhões de átomos que as coisas acontecem nos organismos. Por vezes, pequenos grupos de átomos, ou mesmo um só átomo, podem ser decisivos no destino de um ser multicelular, como nós. O exemplo disso está na hereditariedade. Nos processos de divisão celular, especialmente na meiose, a substituição de um átomo pode modificar as características do ser fertilizado de maneira decisiva. As pequenas substituições relatadas podem provocar mutações genéticas. Estas podem acarretar alterações importantes (ou não), que se manterão estáveis e definirão o descendente durante toda sua vida. Poderão ainda ser transmitidas para outras gerações. Assim, uma pequena mudança em um átomo pode se mostrar muitíssimo estável.

A estabilidade de um átomo depende da estrutura em que ele se liga na molécula e da temperatura do meio. A mecânica quântica determina qual a quantidade de energia necessária para uma mudança e da característica dessa mudança.

Considerando que o gene é uma grande molécula, seria capaz de resistir a longos períodos de influência perturbadora do movimento térmico? O autor esclarece que uma molécula que tem seus átomos ligados por forças solidificantes (ligações de valência) tem a mesma solidez de estrutura de um cristal. O gene tem uma associação ordenada de átomos que permite incontáveis arranjos capazes de conter determinações. Avalia ainda como pequenas mudanças de configuração da molécula produzida por alguma flutuação de energia pode explicar a ocorrência de uma mutação. Se a molécula do gene é susceptível a mutações frequentes, a seleção natural dará cabo dela. Permanecem as estáveis.

Assim, a varinha de condão da teoria quântica salvou uma molécula muito grande de cair na desordem. A vida parece, portanto, ser matéria de comportamento estável, que mantém uma ordem existente. Aqui o autor tenta explicar como a vida se mantém a despeito da entropia e da Segunda Lei da Termodinâmica.

Quando se diz que uma porção de matéria está viva? Qual a característica da vida? É quando ela troca material com o meio, quando se move. Quando um sistema não vivo é colocado em um novo ambiente, todo movimento cessa depressa, depois de se estabilizarem as diferenças químicas, elétricas e térmicas. Sobra um bloco inerte, de entropia máxima. A entropia é a medida da desordem de um sistema. Quanto maior a entropia, maior a desordem. Da mesma forma, o organismo vivo segue a tendência de todos os sistemas para a entropia máxima, que, no seu caso, é a morte. Entretanto, ao se alimentar, ou respirar, o ser vivo (como sistema isolado) adquire entropia negativa e, assim, permanece ordenado.

A vida é regular e os sistemas vivos são organizados. Esta façanha é proporcionada por grupos de átomos muito bem ordenados e estáveis, que se comportam como sólidos aperiódicos. Os organismos resultantes são capazes de concentrar um “fluxo de ordem” e escapar da desordem. Os físicos já haviam descoberto que um mecanismo estatístico era capaz de produzir ordem a partir da desordem. Sabiam também como produzir ordem a partir da ordem. Isto ocorre, por exemplo, em um relógio, onde a mecânica que move os ponteiros acabaria com o atrito, a não ser de déssemos corda, injetando entropia negativa. Agora descobriram como um ser vivo também consegue produzir ordem a partir da ordem.

Este livro foi escrito em 1943, dez anos antes de Watson e Crick descreverem a estrutura do DNA! Que intuição maravilhosa! Um físico de partículas se arvora em campo desconhecido e nos sugere ideias que influenciariam físicos e biólogos nas décadas seguintes.

Esse pequeno livro foi um dos grandes que já li.

Resenha de Ronald Fiuza

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