Ac. Guerreiro leu “Retorno a Brideshead”, de Evelyn Waugh
Retorno a Brideshead
Realizar a tarefa auto-imposta de uma resenha ao nível literário de obra como ” Retorno a Brideshead”- Memórias sagradas e profanas do capitão Charles Ryder, de Evelyn Waugh é um prazer de difícil compreensão para o que Fran Leibowitz chama de “leitor comum” de nossos tempos. Teremos que nos transportar àquele período de vinte e tantos anos entre as décadas de vinte/trinta numa Inglaterra em transformação, em que o narrador principia relembrando o clima estudantil nas universidade de Oxford, aquela cidade de água-tinta ( como gravura ele assim a chama) envolta em névoa.
Hooper é um jovem oficial do exército que simboliza para o narrador a era moderna, ele é um não-romântico vivendo o fim da era aristocrática e dos modos de vida ingleses nas mansões senhoriais do campo, o desaparecimento de um modo de vida em que o vinho é um dos emblemas de um mundo antigo e melhor, um mundo em decadência como a própria mansão abandonada. Como toda boa literatura inglesa nas entrelinhas perpassa o “humour”, a fina ironia das convenções e da educação moral em que tudo se sabe, porém nada é explicito ou vulgar, uma linguagem voltada à beleza vista pelos olhos de um pintor na descrição barroca da arquitetura, e também, por que não da poética na natureza. A nostalgia e interesse pelo passado surge nas referências gregas e até no título da capítulo “Et in Arcadia ego”, nome de obra de Nicolas Poussin ( 1637) que pode ser traduzida como : até na Arcádia estou presente, ou seja a morte, prenunciando a vida simples, idílica e pura, mas também a decadência da família do personagem central e da mansão como alegórica da passagem do tempo. Como ele conta: ” Mais ainda que a obra dos grandes arquitetos, eu gostava de casas que cresciam silenciosamente com os séculos, enquanto o tempo refreava o orgulho do artista e a vulgaridade dos filisteus”.
Noutra passagem, falando sobre o amor ( parte importante da obra) diz : “Talvez”, pensei, enquanto suas palavras ainda pairavam no ar entre nós, como a fumaça de um cigarro – um pensamento fadado a se esvanecer como a fumaça, sem deixar rastro – talvez todos os nossos amores sejam apenas sinais e símbolos, e, palavras rabiscadas nos mourões e calçadas ao longo da árdua estrada que outros palmilharam antes de nós; talvez eu e você sejamos símbolos também, e essa tristeza nasça de uma desilusão em nossa busca, os dois forcejando para ver através e além do outro, aqui e ali surpreendendo um vislumbre da sombra que sempre desaparece ao dobrar a esquina, um ou dois passos adiante de nós”.
Ocorrem discussões sobre espiritualidade e os modos de alcançar a graça divina, que em veia irônica duvida da abordagem do catolicismo a que Evelyn se convertera. Embora ele mesmo comente no Prefácio ter hesitado em modificar ou suprimir trechos mais carregados e dizer que o tema central da obra é o catolicismo, ou a graça divina, até críticos de peso como Edmund Wilson rejeitam convergido para “outra sabedoria”, arte e alegria no desfrute da vida, a que acrescentaria nostalgia de um tempo em que havia um fio de esperança frente a olhar o mundo. Para isso basta ver uma das passagens finais quanto à necessidade de um padre na extrema unção: “Vamos esclarecer isso”, eu disse. Ele precisa fazer um gesto de vontade; precisa estar contrito e desejar perdão, não é isso? Mas só Deus sabe se ele de fato fez um ato de vontade; o padre não tem como saber; e se não houver um sacerdote por lá o moribundo fizer um ato de vontade sozinho, ele será tão válido quanto quanto o seria se um padre estivesse presente. E é bem possível que ainda haja vontade própria num homem que já está fraco demais para dar algum sinal de lucidez, não é isso? Ele pode parecer morto, e em todo tempo, estar desejando reconciliar-se com Deus, nesse caso Deus entenderá, não é isso?Mais ou menos, disse Briteshead.Mas então, eu disse para que serve o padre? [ …] e abandonamos a discussão, cada um de nós por um motivo diferente, achando que o debate fora inconclusivo. Uma obra para ser lida e relida, como a própria existência registrada na memória.
Walter Guerreiro