Ac. Joel leu “Luz Antiga”, de John Banville

Luz antiga
Crônica de JOEL GEHLEN, AN/26/02/2015

Muitos anos se passaram desde a última leitura de um romance tão impressionante. Luz Antiga entrou para meus olhos numa tarde de sábado, com sol de final de outono, de um modo pouco entusiasmado. Porém, definitivo.

Pareceu-me que o autor respondia a todas aquelas perguntas com enfado e um tanto zombeteiro também, embora a tradução simultânea se esforçasse para ser apenas insossa. A grande plateia lotada sob uma lona, às margens do Porto de Paraty, vista de longe, mais parecia um circo. Havia eletricidade no ar. Vindo pela praça Monsenhor Hélio Pires, entre o casario centenário e o doce marulhar, sentia-me um estorvo àquela multidão em voz alta, afoita para tomar os melhores lugares na plateia. Punha-me a vadear os sentidos pelas ribeiras de pedras seculares, pelos barcos de cores cruas e prumos tortos, que rangiam bovinamente, feito berços em madeira rude, docemente balouçados ao ritmo das águas. Sentei na última fila, o ambiente à meia-luz, os autores já devidamente apresentados, Lydia Davis e John Banville. Não me fixei muito no que ela disse, sei que houve algo de flores, de pássaros e de gatos nas suas falas. Fiquei mais atento ao irlandês com cara de tédio. Saí antes das considerações finais do mediador. Apanhei um exemplar atraído pelo amarelo vivo do título e a fotografia pouco nítida da mulher abrindo o fecho-éclair do sutiã.

Com o mesmo modo amofinado que tinha ao falar, ele se dispôs a declinar meu nome sobre a página aberta do livro que lhe estendi. Consegui apenas balbuciar um “good, very good”, sem me fazer entender se era uma referência à palestra ou ao romance. Em resposta, ele esboçou um sorriso inequivocamente agastado, devolveu meu livro e recolheu os punhos para a borda da mesa em que dava autógrafos. Uma atitude típica de resguardo e distância, já à espera do próximo leitor da longa fila que se estendia atrás de meus ombros. Pude notar que estava impaciente, arqueando levemente a caneta entre os dedos indicador e anular, pressionada pelo polegar que lhe servia de pinça.

Li com a inclemência de um tuaregue, e quando cheguei do outro lado, sabia que já era outro.

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