Ac. Zabot leu “Pedro Ivo Campos”, de Moacir Pereira

LEGADO DE PEDRO IVO

 

Acabo de ler o livro: Pedro Ivo Campos – um perfil jornalístico – obra do escritor Moacir Pereira da Academia Catarinense de Letras (2021). Instigante livro, fruto de pesquisa de entrevistas para a imprensa. Moacir Pereira é testemunha ocular de uma época de ouro da política catarinense e nacional. Conviveu com um vasto leque de lideranças expressivas.

E quanto à política alguém já disse: “A política é arte de domar leões a partir da jaula dos macacos”. Atrever-se a abordar o legado de Pedro Ivo Campos, certamente, não é tarefa corriqueira. Haja folego; mas, vamos aos fatos.

A gestão da polis sempre foi e sempre será um eterno desafio, pois sabidamente ponderou Aires Brito, eminente causídico: – “A ambição humana e o céu não tem limites; em relação ao segundo, há controvérsias”.

Sábado à tarde, década de 1980, rua Expedicionário Holz, diretório do MDB, ali como de hábito reunia-se a juventude do partido.  Pauta extensa, discussões acaloradas. Ressalte-se, a bem da verdade:  por natureza o MDB desde de sua origem, década de 1960, abrigou um arco nada modesto de tendências políticas. Não por acaso ainda abriga. É da essência do partido esse viés, o que o torna complexo do ponto de vista da unidade, inclusive quanto aos propósitos.

E vendavais nunca faltaram e, certamente, nunca faltarão para erguer capelas nessas águas revoltas e mais das vezes, turvas.

A dúvida da juventude (sonhavam alto) apoiar o sistema democrático via processo eleitoral ou partir imediatamente para a luta armada. Até aí nada demais, escaramuças desta natureza eram comuns, à época. Discussão acalorada. Não pairava dúvida de que o socialismo era a solução para todos os males da humanidade. A única dúvida, a forma de alcançá-lo. Os meios justificam os fins, a concepção de algumas correntes mais radicais.

Mais tarde diante das atrocidades de Stalin, assassinados às pencas – milhões -, e da queda do Muro de Berlim, 1989, cai a ficha. A coisa não era tão simples assim. Sem falar nas vítimas da fome na China comunista e do genocídio em massa promovido por Pol Pot (Kmer Vermelho) no Camboja. O socialismo embora questionasse as elites, no poder, comportava-se da mesma forma, ou até pior. “Farinha pouca, no meu pirão primeiro”. E mais: não hesitava: diante de qualquer questionamento: paredão. Sim, fuzilamento sumário sem direito a julgamento. E, com a publicação da obra:  A Revolução dos Bichos do britânico George Orvell, definitivamente, caiu a máscara.

Nesta época um participante do grupo demonstrando determinação qual um Sancho Pansa ensandecido parte para a América Central. Participa da guerra civil em El Salvador. Integra a Frente Farabundo Martí de Libertação. Tempos depois retorna. Estropiado, sem dentes, porém convicto que esta era a bandeira a defender: luta armada já.  É evidente que as opiniões divergiam. Havia também a ala cognominada “esquerda festiva”.  Estes aplaudiam às liberalidades de toda a sorte. Psicologia e Sociologia da Vida Sexual de Wilhelm Reich, livro de cabeceira.

Para disciplinar a discussão por vezes pouco produtiva recorria-se à pauta. Operava como âncora, travando o tempo do debate.

Em meio a esse calor, quem se aproxima? Ele, Pedro Ivo Campos. Discreto e respeitoso, saúda a todos carinhosamente e toma assento na ponta da mesa. Informa: – Não vim aqui para constrange-los, mas sim, para participar do debate. Ouvi-los. E ali permaneceu até o final da reunião. Somente ousou interagir após muita insistência do jornalista Celso Martins, um ativo militante. E aí o diálogo estendeu-se pela tarde afora. Pedro Ivo, por natureza, era dotado de um carisma único e singular. Cativante, porém de posições firmes e definidas. Um democrata convicto, percebia-se claramente.

Discorreu longamente sobre sua vida pública. Embora as limitações de saúde, jamais cedeu ao descanso. Incansável lutou bravamente pela redemocratização do país, então sob o regime militar; logo ele que era Coronel do Exército aposentado. Fora Cadete da Academia Militar de Agulhas Negras.

Nos momentos mais tortuosos do regime, não vacilou em defender os presos políticos. A chamada Operação Barriga Verde deixará sequelas na militância mais aguerrida. Respeitado que era tanto na caserna como no meio político, Pedro não mediu esforços para apaziguar os ânimos. Circulava com desenvoltura.

Surpreendeu-nos naquela tarde Pedro Ivo. Sereno discorreu longamente sobre o momento. E, sobretudo, a respeito da importância do processo democrático para construir uma sociedade mais justa, mais humana e igualitária. Para isso não media esforços, não importava o dia: se sábado ou domingo, e a que hora: se de dia ou à noite.

A política, sabemos, embora as críticas, exige de quem a prática sacrifícios nada modestos. O maior de todos: relegar a própria família. Ausentar-se. Exaustivas jornadas. Ônus financeiro. Incertezas. Senão vejamos:

Certa feita, domingo cedinho, íamos a uma partida de futebol na Comunidade de Nossa Aparecida, mais precisamente Neudorff, em Joinville. Um carro, se não me engano uma Brasília amarela seguia na nossa frente. Pedro Ivo, percebemos que ele estava no volante, mas sem pressa.  Ao chegarmos na comunidade, todos estavam na Igreja, missa em andamento. Sentamos no banco de entrada. A surpresa: Pedro Ivo chega e se dirige à bancada da frente. Todos percebem.

Após a cerimônia animadamente conversa com os presentes, a maioria agricultores. Pedro Ivo era assim: apreciava sobremaneira tomar água na fonte.

O livro do eminente jornalista Moacir Pereira é de leitura obrigatória, especialmente para entender o momento controverso que atravessamos. A exemplo do passado, pessoas do carácter e conduta ilibada como Pedro Ivo, fazem falta.

Sabia ouvir, sabia estabelecer as bases de um diálogo construtivo. E, sobretudo, era de uma modéstia incomparável.

Quanto à sua trajetória como homem público deixou-nos um legado primoroso: gestor austero. Futurista. Sabia dosar o varejo e o atacado. Batuta à mão, um maestro. Atuava com visão de curto prazo, sem descurar-se da visão de médio e longo prazo.

Enquanto prefeito legou-nos a FERJ, hoje UNIVILLE, a Avenida JK, ligando a Avenida Getúlio Vargas à rua João Colin. E a casa da Cultura, entre outras iniciativas, caso dos CERIs – Centros de Educação e Recreação Infantil, onde as mães deixavam os filhos protegidos, podendo assim complementar a renda família.

Como governador, de uma honestidade à toda prova, tratou os recursos públicos com esmero, jamais permitindo qualquer tipo de desvio, prática condenável, mas bastante comum em alguns governos, inclusive da esquerda.

Enfim, combateu o bom combate. Ocorre-me nestes momentos, como forma de homenageá-lo, o poema de Brecht:

“Há homens que lutam um dia, e são bons; há que lutam um ano e são melhores; há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida, estes são imprescindíveis”.

Pedro Ivo Campos, então governador de Santa Catarina, faleceu em 27 fevereiro de 1990. Privar de sua bondade e inteligência, uma grande honra. Esbanjava carisma Pedro Ivo.

Joinville, 27  de 2022.

 

Onévio Antonio Zabot

Engenheiro Agrônomo

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