Ano Novo, vida nova (Hilton)
ANO NOVO, VIDA NOVA
Hilton Görresen
Acordou ainda meio tonto. Sua cabeça parecia feita de cortiça. A noite anterior, última do ano, tinha sido da pesada, muita comida, muita champanha, abraços, exclamações efusivas: ano novo, vida nova!
Pois sim – pensou –, ano novo, velhos problemas, velhas dívidas, velha mulher…
Pulou da cama e foi ao banheiro lavar o rosto. No espelho estava um outro cara, cuja cara não era a sua. Alto, esbelto, cabelos negros, barba bem tratada, uns vinte anos mais jovem, isso nos seus cálculos mais favoráveis. Seria um espelho mágico? Lembrou da história da rainha má: espelho, espelho meu…
Foi quando uma meiga voz feminina chamou:
–Epitácio, meu bem, já estás acordado?
Que droga de Epitácio era essa? E de quem era essa voz?
Aí apareceu uma loura de beibidol, daquelas que pobre só vê em capas de revista, o rosto um pouco inchado de sono.
Quis perguntar quem era e o que fazia ali no seu apartamento. Mas achou que podia ser um sonho e deixou correr. Ela tornou a falar:
– Esqueci de te avisar, o gerente do banco telefonou antes do final de ano, queria muito falar contigo.
– Putz, a conta estourou de novo, ou será a dívida do cartão de crédito?
– Nada disso, ele queria autorização para reaplicar teus investimentos.
Agora tinha até investimentos. Não podia ser verdade. Que mudasse repentinamente de cara ou de mulher ainda dava de acreditar, mas transformar suas dívidas em investimentos já era demais. Então eu tenho investimentos no banco? – perguntou.
–Só alguns milhões. O grosso do dinheiro está no exterior.
No “ano velho” era feio, pobre e endividado, e vejam agora. Parece que esse negócio de vida nova pode dar certo. Resolveu dar uma saída para colocar a cabeça em ordem.
– Se vai sair, leve o Mercedes. Preciso do Land Rover para dar um pulo em nosso sítio, vou levar um presentinho para a filha dos caseiros.
Nessas alturas, já tinha certeza de que havia um jatinho com piloto em algum hangar e certamente uma bela lancha ancorada em uma praia da elite. Começou a cantarolar: adeus Ano Velho, feliz Ano Novo…
A mesinha de mármore italiano na sala estava repleta de cartões de boas festas, dirigidos a ele, Epitácio (só não gostou muito do nome). Era um tal de Odebrechts, Camargos Correias, Andrades Gutierrez e outras empreiteiras menores. O que esse pessoal teria a ver comigo? – pensou.
Ali pelas onze horas, tocou o interfone. O mordomo (meu Deus, até mordomo!) foi atender e veio com o recado:
– Dr. Epitácio, a Polícia Federal está lá em baixo!