As deslumbrantes do Tremembé
Eram três as deslumbrantes do Tremembé. Rás, a cantora; Dan, a passista; e Biscuit, a escultora. Ninguém sabe como elas se conheceram, mas quem as viu nas madrugadas daqueles carnavais nunca mais esqueceu.
Rás desfilava um vestido preto, exibia tatuagens que cobriam quase todo o seu braço esquerdo, enfeitiçava os homens com sua voz e seus olhos negros e redondos. Dan não andava, desfilava. Cabelos avermelhados como fogo e olhos levemente tristes que escondiam o furacão que era. Biscuit tinha o visual menos agressivo das três, mas trazia dentro de si fogo e paixão acumulados de muitas vidas. As ruas e becos do bairro eram palco para a atuação das três. Suas máscaras cobriam olhos e parte do nariz, sobre seus saltos longos olhavam com desdém e sedução.
Um repórter de um grande jornal fotografou-as. Na terça-feira de carnaval, a foto ganhou mais destaque que o desfile das escolas de samba. A legenda da foto trazia o que viria a ser o nome do trio: As Deslumbrantes do Tremembé. Na página seguinte, atenção voltada para a notícia da morte de três homens. Foram encontrados em um beco do bairro, todos usando fones de ouvido e com aparência azulada. Além de uma pequena curiosidade, ninguém deu importância ao fato, porém, a aparição das moças na imprensa foi suficiente para criar repercussão por toda a cidade e curiosidade de rádios, jornais e canais de televisão. Foram meses de busca, mas ninguém mais as viu.
Um dia, mexendo nos arquivos do processo das três mortes no Tremembé, o delegado responsável pelo caso virou a página do jornal, olhou várias vezes e relacionou as mortes à presença das Deslumbrantes do Tremembé. “Só pode ser!”, exclamou. No mesmo dia começou a investigar mulheres que ficaram viúvas por aqueles meses. A verdade é que a investigação não avançou muito. Mas o ano passou rápido e já era fevereiro de novo. O delegado armou um esquema para encontrar as suspeitas, o que não foi difícil. No sábado de carnaval elas reapareceram, estavam sobre um carro. Rás no capô, Dan sobre o teto e Biscuit com metade do corpo para fora da janela do motorista. Não se sabe de onde veio o primeiro som da noite, o de um atabaque que marcava compasso. Dan deitou levemente a cabeça e começou a mexer a cintura no ritmo do instrumento. Um pequeno grupo se aproximou. Biscuit desceu do carro com uma maleta. Ao que fechou a porta do carro, um pandeiro se fez ouvir, Dan fez do teto pista e ensaiou os primeiros passos de samba.
Os acordes de um cavaquinho tomaram os ouvidos do povo que começou a se aglomerar. Rás abriu a boca e de lá saiu o som mais bonito que se podia ouvir. Sua voz era limpa e suave. Biscuit abriu a maleta e começou a moldar uma quantidade grande de massa, que havia tirado do porta-malas. O público acompanhava a apresentação de Rás, Dan e Biscuit. A música, a dança e a escultura se uniam num surpreendente espetáculo. Elas não sabiam, mas naquele momento já estavam cercadas por policiais armados que ocupavam todas as possíveis saídas.
Jornalistas e paparazzi já sabiam da nova aparição das Deslumbrantes e apontavam seus flashes para as moças. Um canal de TV mandou sua unidade móvel para acompanhar o caso e transmitiu ao vivo. Obteve a maior audiência de sua história. A aglomeração na rua era cada vez maior e os policiais se preocuparam. Com tanta gente, seria fácil a coisa sair do controle. Mulheres gritavam e homens, que costumam ser mais discretos em shows, assobiavam. Uns choravam, outros gritavam abusos verbais.
– Elas são lindas, são lindas! – comentou um policial, que foi chamado à atenção por seu companheiro.
– Não se desconcentre, homem! Fique atento!
***
Longe dali, em uma rua sem saída, ficava a casa de Chico, que naquela noite recebia a visita de Renan e Murilo, amigos por conveniência. Latas de cerveja estavam empilhadas na estante, um resto de churrasco torrava na churrasqueira. A TV mostrava as Deslumbrantes do Tremembé.
– Isso é mulher de verdade, comentou um.
– Olha como aquela dança, apontou outro.
O terceiro trouxe mais cerveja e entregou-as sem tirar os olhos da TV.
***
A escultura de Biscuit ficou pronta, era a imagem de um passista. Ela acrescentou-lhe um chapéu e um cachimbo à boca. Afastou-se e admirou a obra. Pegou o pandeiro e encaixou nas mãos da escultura. Mexeu no bolso, sacou um par de fones de ouvido e encaixou nas orelhas do homem.
Era a deixa que o delegado precisava. Fez o sinal para o comandante de polícia que gritou:
– Parados! Polícia! Vocês estão presas!
A multidão não entendeu, mas o delegado tinha certeza. Os fones de ouvido eram prova mais do que suficiente, eram os mesmos usados no assassinato do ano anterior, provavelmente dos maridos daquelas três mulheres mascaradas. Repórteres buscavam o melhor ângulo para mostrar a prisão das Deslumbrantes do Tremembé. A escultura foi empurrada pela multidão e caiu no chão espatifando-se. Rás, Dan e Biscuit foram algemadas e suas máscaras arrancadas. Uma das câmeras conseguiu filmar em close. O editor do canal de TV congelou a imagem.
Em casa, Chico cuspiu a cerveja e gritou:
– Mulher!
Murilo engasgou e não parou mais de tossir, Renan desmaiou.
Na manhã seguinte, encontraram-se com suas esposas na delegacia. Como os fones de ouvido não foram considerados prova suficiente para mantê-las presas, seus maridos levaram-nas para casa. Elas prometeram a eles que não sairiam mais pela madrugada nas noites de carnaval e eles sorriram aliviados sem perceberem que Biscuit piscou para Rás, que por sua vez piscou para Dan, que não piscou porque não sabe, mas sorriu com charme e malícia.