Bolinha

O careca (quem não tem apelido em São Xico?) entrou na sala de hidroterapia, onde relaxávamos após a sauna, vestido de calça azul, cinto sapatos brancos, camisa branca, sacudindo o gelo do copo de uísque.

Diante daquela figura, contrastando com o bando de homens nus, deitados nas espreguiçadeiras, mal cobertos pelas toalhas, todos imaginaram, talvez, uma inspeção de diretor do clube. Mas quem conhece a ilha, sabe que por ali vinha alguma.

– Souberam da estória da bolinha ?

– Não – respondeu uma voz geral. Como é que foi?

Saboreou um gole da bebida e com a cara mais séria do mundo, iniciou:

– Uma senhora, depois de duas horas e meia de fila e ter dado quatro voltas ao quarteirão do cinema, conseguiu entrar, puxando pela mão o filho duns nove anos, que passou pela censura, incapaz de examinar aquela multidão ávida pelo espetáculo que eletrizava e horrorizava o mundo. Mal começado o espetáculo, logo em seguida ao bicho ter saboreado aquela moça, uma voz anasalada de criança se ouviu, “mãe, perdi a minha bolinha”. Foi um psssst de todos os lados. Mas a voz voltou a fazer-se ouvir, “mãe, perdi a minha bolinha”. Aí o psssst foi mais geral, acompanhado da advertência da mãe em voz baixa: “Filhinho quando acabar o filme a gente procura”.  “Não mãe quero agora!” O clamor, desta vez, começava a chegar à indignação… “Pô será que não dá para ver uma fita sossegado? Manda calar a boca desse fedelho”. “É isso mesmo! Põe esse guri pra fora”. “Chama o vaga-lume!”  O guri não cedeu. “Mãe, perdi a minha bolinha e quero ela agora”. Também já era demais. Um filme de suspense como aquele e um piá a perturbar, não dava pé. Reclamações, gritos, assobios e, em meio a elas uma voz sensata, pedindo silêncio e falando: “Melhor é acender a luz, achar a bolinha e pedir pra começar o filme de novo”. Palmas. E a luz foi acesa. Alguns se prontificaram a achar a bolinha perdida. Mas decorridos cinco impacientes minutos, como não tivesse ela sido encontrada, foi proposto que se começasse o filme de novo. Então a mãe se virou pro menino, dizendo que não acharam a bolinha e que ficasse, a partir de agora quietinho. “Tá bem, mãe, não faz mal. Faço outra. E meteu o polegar no nariz”.

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