Bu e Mamã
Meu filho divide o mundo em Bu e Mamã. Bu são as coisas. Para as coisas ele utiliza sempre o mesmo processo de cognição. Pega na mão e depois chacoalha para ver se faz barulho. O passo seguinte é bater no chão pra ver o som que faz. Finalmente arremessa longe para ver se desliza, rola ou faz qualquer outra coisa interessante. Quando o Bu é grande demais ele aponta espantado e bate com a mãozinha.
Mamã são as pessoas. Chama todos de maneira igual. Para ele vovô, vovó, mamãe, papai e qualquer outra pessoa são mamã. O processo de conhecimento aqui é diferente. Primeiro ele olha. Depois solta um sorriso tímido, e se esconde com vergonha. Quando vê que o sorriso é retribuído, sorri com vontade, e muitas vezes estende o braço pedindo colo. Sela a amizade com um gostoso abraço.
Fiquei pensando se as pessoas agem da mesma maneira, e para minha surpresa concluí que meu filho, de pouco mais de um ano, tem mais maturidade que grande parte dos adultos.
Digo isso porque há quem inverta a ordem e trate pessoas como Bu (coisas). Começam chacoalhando para ver se fazem barulho. Caso não escutem nada batem com elas na parede e até arremessam ao chão para ver se quebram. Finalizam pisando em cima.
As coisas que desejam tratam como se fossem Mamã (pessoas). Ao vê-las abrem um sorriso que primeiro é tímido, mas logo depois fica desavergonhado. Abraçam-nas como se fossem o que de mais importante há no mundo. Até mesmo as acariciam como se fossem pequeninos bebês.
Esse é um dos males de viver em nossos dias. O ter ganhou predominância sobre o ser. Antigamente, o ter era consequência do ser. Aquele que trabalhava muito, que tratava bem as pessoas, que se aperfeiçoava constantemente, era valorizado e acabava, por consequência, sendo bem sucedido materialmente.
Hoje basta ter, e não há grande preocupação com o modo de se conseguir. Houve uma maquiavelização do mundo. Os meios não importam, desde que sejam adequados para atingir os fins buscados. Somos definidos pelo que temos, mas também pelo que não temos. Não possuir bens da moda torna o cidadão um pária social.
É justamente nessas horas, em que a ansiedade cresce pelas coisas que não conquistamos, que é preciso relembrar o software inaugural de todo ser humano. Mamã é mais importante do que Bu. Devemos lamentar pelos amigos que perdemos, pelas pessoas com as quais não convivemos, mas nunca pelo Bu que não temos. Bu pode ser atirado longe. Mamã é para sempre.