Carta para Papai Noel para ser entregue a Papai do Céu (Reginaldo Jorge)

 

Carta para Papai Noel para ser entregue a Papai do Céu

Reginaldo Jorge

 

Cada vez que o Natal se aproximava o coração do pequeno Guilherme se apertava. Era um misto de alegria e tristeza. Desde a sua tenra infância sua vida tinha sido recheada de lutas e adversidades. Desde os quatro anos passou a morar em um abrigo para menores, em Florianópolis, ao lado de outros dois irmãos. Mesmo no Lar a presença de Papai Noel nesta época do ano era uma constante e o volume de brinquedos recebidos era inimaginável. Era gente de todo o canto da cidade levando roupas e brinquedos para as crianças do Lar. Do nada, surgia gente bem-vestida com crianças de roupas estilosas com presentes para entregar. Ficavam alguns instantes e iam embora.

Claro, não podia faltar a presença do Papai Noel, este ficava um pouco mais de tempo. Vinha umas semanas antes, recebia as cartinhas e voltava pertinho do Natal com os presentes. Depois que Guilherme foi para a escola e foi alfabetizado começou a ter pena do Papai Noel. Na sua opinião, o bom velhinho talvez não soubesse ler direito, pois nem sempre lhe trazia o presente que havia pedido nas suas cartinhas.

Quando passava o Natal sobravam somente os presentes, o que mais lhe fazia falta era a presença e o abraço  das pessoas, que só pareciam descobrir o endereço do Lar em datas comemorativas.

Para passar o tempo, além de ir à escola e ir às aulas de reforço, Guilherme gostava de jogar futebol e  soltar pipas. E tinha muita habilidade nisso, adorava “cortar” a pipa dos outros, e quando a sua “arrebentava”, pulava o muro do Lar que ficava próximo à casa da “Agronômica” onde morava o governador. E pular este muro desta casa era uma das alegrias das crianças do Lar em busca das pipas que caiam. Quando eram descobertos pelas cuidadoras levavam grandes castigos. A corrida atrás das pipas era uma constante na vida do Guilherme e já havia lhe custado algumas cicatrizes no corpo e algumas chegadas tardes na escola.

À noite, quando o barulho das crianças do Lar dava lugar ao silêncio, Guilherme chorava baixinho sonhando o dia que teria uma família e poderia então poder soltar suas pipas em outros lugares. Sempre que uma criança era adotada era uma alegria misturada com tristeza. Alegria de saber que aquela criança teria uma família e tristeza para os que ficavam.

Mais um Natal de aproximava e, quase com nove anos, Guilherme sabia que, quanto mais velho, menores seriam as suas chances de ser adotado. Assim todas as noites, antes de dormir,  pedia para Papai do Céu que lhe desse uma família. Ele já estava cansado de fazer na escola cartões para o Dia dos Pais e Dia das Mães e não ter para quem entregar. Naquela noite estava com insônia e demorou para dormir. Sonhou que tinha feito uma cartinha para Papai Noel pedindo uma família e que, quando foi entregar a carta, quem estava no lugar de Papai Noel era outro cara barbudo, Jesus, que recebeu a cartinha e disse ao seu ouvido  “em breve vou realizar teu desejo”. Guilherme acordou assustado e aquela frase não saía da sua cabeça.

Naquela manhã a tarefa da escola foi escrever uma cartinha para Papai Noel pedindo o presente de Natal.  Não teve dúvidas: no lugar de bicicleta, roupa ou videogame resolveu fazer um texto diferente:

“Querido Papai Noel, neste Natal vou lhe pedir um presente diferente, sei que posso demorar para ser atendido. Não quero roupas e muito menos presentes. Meu nome é Guilherme e moro no Lar. Eu quero uma família bem legal que cuide bem de mim e me ame. Quero também um irmão e uma irmã. E não se esqueça que já tenho dois irmãos”. PS: não se esqueça de mostrar esta cartinha para Papai do Céu, ele também está por dentro do assunto.

Cuidadoso, fez uma cópia da cartinha. Quando Papai Noel chegou no Lar, Guilherme foi correndo entregar a sua carta e falou no ouvido do bom velhinho, Jesus já está por dentro do assunto. Papai Noel leu a carta do menino, ficou com os olhos lacrimejantes e disse que seu pedido podia demorar um pouco mais. Eu sei disso, disse sorrindo Guilherme, que saiu correndo alegre pelos corredores do Lar.

Veio o Natal e Guilherme ganhou muito mais presentes do que nos anos anteriores e todos notavam seu olhar tristonho. Todas as noites antes de dormir perguntava para Jesus se ele já havia lido a cartinha que mandara por Papai Noel. O menino já estava quase perdendo as esperanças, quando recebeu no Lar a visita de uma psicóloga e uma assistente social do fórum perguntando se queria ser adotado. Guilherme vibrou de alegria, naquela noite agradeceu a Jesus por ter lido a carta do Papai Noel. E naquele mês, sem saber o teor da cartinha, eu e a minha mulher adotamos o Guilherme, que já tinha uma mana e mais tarde ganhou  a companhia de seu outro irmão que também foi adotado por nós graças à parceria entre Papai Noel e Jesus. No Natal seguinte ele não fez nenhum pedido, só agradeceu. Todas as noites ele reza para que Jesus olhe para as crianças que estão nos lares e abrigos e que lhes concedam a graça de ter uma família. Feliz Natal!

 

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