Certa noite de ano novo (Nelci)
CERTA NOITE DE ANO NOVO
Nelci Seibel
Seus irmãos estavam em uma cidade balneária com suas famílias para uma pequena temporada de férias. Somente ele e a esposa permaneceram na cidade, dando também suporte a sua mãe que mora sozinha.
Com mensagens, telefonemas e outras formas de comunicação ele fez contatos com parentes, e amigos que vivem em outras cidades, sem faltar o tradicional “Feliz Ano Novo”. Entre uma e outra, preparou alguns pratos que levaria para o jantar com sua mãe. A esposa decidiu ficar sozinha, para uma reflexão sobre o atípico e difícil ano de 2020 que findava e sobre seus projetos de vida para 2021, a iniciar-se em algumas horas.
Muitas conversas e troca de opiniões tornaram o encontro com a mãe agradável, não percebendo o tempo passar. Durante o jantar, harmonizado com um delicioso vinho, começou a chover. A chover torrencialmente. Raro uma chuva de tal intensidade. Ele planejara chegar a casa antes da meia noite, para brindar a virada de ano com a esposa. Decidiu aguardar um pouco na esperança de que o toró amenizasse, o que não acontecia. Legítima chuva para gerar alagamentos na cidade.
Já próximo à meia noite ele decidiu enfrentar a tempestade de qualquer maneira, e iniciar sua viagem de volta. Não chegara à metade do trajeto, quando se deparou em um verdadeiro oceano de águas lamacentas. Sem condições de continuar. Próximo a um posto de gasolina teve a sorte de poder ali estacionar, sendo seguido por inúmeros outros veículos, que também não se arriscavam a adentrar àquele imenso lago.
Mas houve quem o fez. Como aquele carro que, na expectativa de ultrapassar o alagamento, ao chegar ao ponto máximo de profundidade da água, apagou. Um homem abriu a porta do carro e saiu, seguido por uma mulher com uma criança de menos de dois anos ao colo, em plena chuva. Ele não se conteve. Convidou o atendente do posto de gasolina para acompanha-lo a acudir a família, que se encontrava em mais lençóis, ou melhor, em más águas. O atendente fez corpo mole, mas outro ilhado decidiu pela solidariedade. Ao se aproximarem do carro, se depararam com outro bebê no carro, em uma cesta, de nada mais que um mês de idade. O casal com as crianças viera da igreja, dissera o homem.
Ajudaram então o casal e as crianças a chegarem até a cobertura do posto, e empurraram o carro para fora do centro da rua. Molhados dos pés a cabeça e já com frio, no entanto, sentiam-se realizados, pela oportunidade de prestar assistência àquela família em apuros.
E a água não baixava. Pelo contrário, aumentava. Um grupo já maior de pessoas no aguardo da chuva estiar e as águas baixarem conversavam. O tema, obviamente era o eterno problema dos alagamentos na cidade de Joinville. Assim driblavam um pouco o desconforto da roupa molhada e do frio. Surgiram até amizades.
Enquanto isso, dezenas de casas eram invadidas pelas águas sujas e indesejadas. Entre essas uma igreja, em que os bancos e os personagens do presépio natalino flutuavam entre gravetos e outros objetos vindos portas adentro sem serem convidados.
Eduardo fora convidado a acompanhar os irmãos e também alguns amigos às férias na praia. Porém, escolheu ficar no seu refúgio na Estrada da Ilha, a encarar o desenfreado trânsito da BR-101. Mas Deus reservara para ele outra missão: dar respaldo a uma família com crianças pequenas e a outras pessoas em situação de atribulada dificuldade.
Nada acontece por acaso e Deus às vezes nos dá responsabilidades inesperadas. Eduardo chegou a sua casa às 4 horas da madrugada. Contudo, feliz com a sensação de dever cumprido.
Nelci Seibel
2.1.2021