Como nascem as histórias?

Ele subiu ao palco, meio tímido, com um sorriso de menino que se recusa a crescer. Tinha as mãos livres e um microfone headset igual ao dos artistas da televisão. Sentei-me diante dele, na primeira fila, os olhos brilhando como brilham sempre que o vejo falar sobre uma de nossas paixões em comum: a literatura.
Jura Arruda é mais que meu editor. É meu amigo. Meu padrinho literário. Um baita escritor e dono de uma alma poética que se recusa a ficar aprisionada do lado de dentro — por isso, ela voa solta, nas linhas que ele escreve nas folhas em branco como que sopra um dente-de-leão numa tarde de sol e céu azul, como essas do inverno que se aproxima. Foi então que ele começou sua fala, dizendo ao público como é que nascem as histórias.
Nem todo escritor sabe disso, mas aquele que é atento à arte de brincar com as letrinhas entende o que disse o Jura: as histórias são colhidas do mundo através dos sentidos. Histórias nos entram no corpo através do sentidos. Todos os dias, sabores, cheiros, sons, cenas e toques nos arrepiam de fora para dentro. Sem arrepio, não há história que valha a pena. Uma vez dentro de nós, elas se alojam no estômago. É lá que aquilo que nos incomoda pode ser digerido. Se não for, pode ser vomitado (como bem diziam os modernistas antropofágicos), ou acaba virando congestão. Do estômago, vão ao coração. Não há nascimento sem emoção, sem aquele detalhe infinito que faz aumentar o ritmo cardíaco, sem dor de parto. Histórias são viscerais. Só depois de tudo isso é que entra o cérebro nessa história.
Quantas vezes, ao construirmos nossa história, a gente se engana tentando colocar o cérebro à frente de tudo? Está faltando sentir. Faltando sentidos. Limitamos nossos julgamentos ao que ouvimos de alguém, ou à visão distorcida de alguma coisa. Faltam perfumes de rosas, toques de pele, azedos, doces e amargos. Faltam digestões e está cheio de gente com medo de vomitar o que lhes faz mal, engolindo o que não precisa ser engolido. Mais do que tudo isso, está faltando coração. Falta pulsar, hesitar, enfrentar. Que história você quer escrever, afinal?

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