Cultivo (Elizabeth)

Cultivo

Elizabeth A. C. M. Fontes

 

As sementes foram entregues numa trouxinha de pano, dessas feitas do lenço de enxugar a testa. O sorriso veio seguido de um olhar sem pressa – celeiro de guardar as memórias todas.

Na voz que era quase um fio, ouço dizer que minha avó cultivava aquelas flores em tempos de minha infância, ao redor da casa.

Agradeço o presente com os olhos do menino que fui.

Saio buscando um resto de sol e a terra mais nova adubada. Penso no tempo e na gentileza de quem sempre esteve perto, no cuidado ainda que velado.

Antecipo saudades.

Porque flor tem essa capacidade de elucidar a memória, de revisitar o tempo passado e trazer sentimentos dormidos. Flor inspira aquela felicidade antiga e doce de colo de mãe, de bolo de avó, de carinhos infinitos.

Planto as sementes como quem planta os afetos antigos, com cuidado e silencio como fosse algo sagrado.

Revolvo a terra como a perguntar-me pelas lembranças da infância tão rica de saberes, de contos e prosas à beira do fogão a lenha com suas panelas de ferro.

Trago a água e molho o plantio, reverenciando a ausência das mãos que outrora faziam o mesmo ritual.

Fecho a porta do quintal. Espanto o cachorro. Dou uma olhada no tempo pra ver se não aparecem os pardais. Cultivo o silêncio com um último olhar no céu.

Entro a passos lentos na casa e busco a cadeira de balanço, olhando pela fresta da porta, o recém-canteiro.

E na minha saudade, planto todos os meus prantos.  Para ver se ainda floresce, pelo menos, aquele resto de poesia…

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