Desejo a todos um feliz “Dies Natalis Solis Invicti” (Milton)
Desejo a todos um feliz“Dies Natalis Solis Invicti”
MILTON MACIEL
O que equivale a desejar que possamos disfrutar o bom convívio familiar e a troca de presentes num 24/25 de dezembro, data sagrada de homenagem àquele que veio trazer sabedoria, paz e solidariedade aos homens na Terra. E a um simultâneo empanturrar-se com iguarias e panetones cheios de glúten.
É claro que eu estou falando da comemoração em homenagem à data de nascimento do deus persa MITRA, que veio trazer sabedoria, paz e solidariedade aos homens, um deus extremamente popular no mundo romano nos primeiros séculos antes e depois da era cristã, muito antes que Jesus Cristo e o cristianismo tivessem nascido e prosperado.
É bastante óbvio que isso pode ser confundido com o Natal a que estamos acostumados por aqui, efeméride comemorativa do nascimento de Jesus em Belém, no dia 25 de dezembro do ano I AD.
AD = Anno Domini = ano do Senhor, marca o tempo contado no calendário (juliano ou gregoriano) a partir do ano oficial do nascimento de Jesus. E é aí que mora o perigo, pois a coisa começou errada, visto que Jesus não nasceu no ano I da era cristã.
Não, ao que tudo indica, Cristo nasceu antes de Cristo: no ano 7 AC. Daqui a pouco a gente explica isso melhor.
Mas antes vamos parar para ver essa história desse tal de Mitra, nascido também em 25 de Dezembro. Como assim, que usurpação é essa? Como um outro deus nascendo no mesmo dia em que nasceu Jesus?
Ah, mas não se preocupe, porque Jesus não só não nasceu no ano I AD, como também não nasceu no dia 25 de dezembro!
Contudo, um monte de outros deuses tiveram atribuída a eles essa mesmíssima data de nascimento. Quer saber quais? Pois aí vai a lista, arrolando os anos em que seus seguidores afirmam terem eles nascido:
Ano 12000 AC – Átis, na Frígia
Ano 5000 AC – Tamuz, na suméria
Ano 3000 AC – Horus, no Egito
Ano 1380 AC – Mitra, na Índia
Ano 1340 AC – o mesmo Mitra, na Pérsia
Ano 900 AC – Krishna, na Índia
Ano 500 AC – na Grécia, por atacado: Hermes, Dionísio e Adônis
Ano 7 AC – na Judeia, Jesus
Vê-se, por essa lista, que Jesus Cristo foi o último a ser colocado nessa fila de nascidos em 25 de dezembro. O Mitra persa, por exemplo, o precede em mais de 1300 anos. E qual pode ser a explicação para esse estranho costume dos deuses de nascerem nesse congestionado dia?
Ah, a explicação é simples, muito simples. É que, por um pequeno erro de cálculo dos antigos, o 25 de dezembro do calendário gregoriano corresponde ao dia do SOLSTÍCIO DE INVERNO do hemisfério norte.
A comemoração em si é, portanto, muito antiga, é algo feito há pelo menos 7000 anos. Num solstício (sol “parado”) temos sempre a maior diferença possível entre a duração do dia e a da noite, diferença essa tão maior quanto maior for a latitude do lugar. No solstício de inverno, chega-se à noite mais longa do ano e, consequentemente, ao dia mais curto.
Aqui para nós, no hemisfério sul, isso acontece por volta de 21/22 de junho, o início oficial do inverno, a ponto de o dia 24 de junho, natalício de São João Batista, ter recebido no Brasil a inexata pecha de noite mais longa do ano. No hemisfério norte eles têm, nesse mesmo momento, 21/22 de junho, o solstício de verão e, portanto, vivenciam o dia mais longo do ano.
Mas, no 25 de dezembro, acontece milenarmente a celebração do solstício de inverno do hemisfério norte. Essa datação se deve a uma inexatidão de cálculo por parte dos antigos, que escolhiam o dia 25 de março como o do equinócio da primavera e começo do ano. E o 25 de junho como solstício de verão, o 25 de setembro como equinócio de outono e o 25 de dezembro como solstício de inverno. Não vou cansar os leitores com as correções que foram feitas depois. O que importa aqui é que o 25 de dezembro ficou por milênios como o dia do solstício de inverno, o dia mais curto e a noite mais longa do ano.
Ora, assim como a partir do solstício de verão, os dias começam a encurtar e as noites a alongar-se, da mesma forma, a partir do dia do solstício de inverno, atingida a noite mais longa do ano, os dias começam outra vez a aumentar em duração. E daí veio o sentido de atribuir a esse fenômeno uma espécie de renascimento do Sol, que parte do dia mais curto em 25 de dezembro até chegar de novo ao dia mais longo, em 25 de junho, no solstício de verão – não levando em conta os 3 a 4 dias de inexatidão no cálculo dos antigos para o estabelecimento das datas exatas dos equinócios e solstícios.
Vem daí o conceito de Sol Invictis, expressão latina para dizer que o Sol é invencível, uma vez que começa todos os anos a ressurgir da sombra da noite no solstício de inverno para reinar por um tempo cada vez maior durante o dia. A apropriação dessa poderosa força solar foi logo estendida aos deuses e seus seguidores (inventores!) trataram de atribuir a eles o nascimento no dia 25 de dezembro, tido como mágico.
Celebravam-se grandes festas para esses deuses solares. Na Mesopotâmia a festa durava 12 dias, na Grécia aconteciam as longas festas de Dionísio (Baco), com muito vinho e muitas Mênades (Bacantes). Em Roma a coisa começava vários dias antes, com a grande celebração em homenagem ao deus da agricultura, Saturno. Era a grande festa da Saturnália, um autêntico carnaval romano, com direito a muita comida, bebida e, bem ao gosto dos romanos, com muitas orgias. A festa do deus Sol Invicto fechava a Saturnália com ritos diversos de purificação.
O Festival mitraico do Sol Invicto tinha o 25 de dezembro como a data em que as pessoas faziam grandes refeições juntas e trocavam presentes entre si. É, como disse Virgílio, “Nunca há nada de novo sob o sol”. E você achando que isso é um costume contemporâneo de celebração do Natal, quando a coisa acontece há milhares de anos!
Aliás, en passant, vale lembrar que foi da Saturnália romana que nasceu o entrudo português e, na sequência, o carnaval brasileiro. Conclui-se que o gosto pela bebida e pela orgia carnavalescas não é culpa dos brasileiros, mas é uma compreensível consequência da malfadada carga genética da Saturnália. Esses romanos!
Mitra penetrou profundamente no mundo helênico e, a seguir, no romano desde que Alexandre, o Grande, empreendeu a conquista da Pérsia, em 330 AC. Milhares de soldados macedônios e gregos tomaram esposas persas, dezenas de milhares de persas foram transferidos para domínios romanos depois. Com elas e com eles migrou a religião do mitraísmo para a própria Roma.
O nome MAGO, palavra grega, passou a ser usado para referir-se especificamente aos sacerdotes-astrólogos persas do culto de Mitra, que se espalharam, depois da conquista, por toda a Mesopotâmia e pelo mundo helênico, que foram a posteriori absorvidos pelo domínio romano. Magos, segundo o evangelho de Mateus, teriam visitado o menino Jesus, seguindo a sua estrela, tema que vamos desenvolver um pouco mais adiante.
Mitra penetrou fortemente na própria Roma com o retorno de Pompeu, em 67 AC. Tornou-se o deus preferido dos soldados e dos imperadores romanos. Em 274 AD, o imperador Aureliano tornou o culto do Sol Invicto uma celebração oficial e obrigatória como culto ao deus Mitra.
Este Mitra persa é, desde o começo, por volta de 1340 AC, um deus ariano, representado como um homem alto de pele branca, cabelos e olhos claros, muitas vezes azuis, um típico caucasiano (povo branco indo-europeu originário das montanhas do Cáucaso). Provem dessa representação de Mitra a posterior conversão do pardo semita Jesus de Nazaré em um jovem branco e alto, de cabelos e barbas claras, com olhos muito azuis.
De fato, há uma progressiva sincretização da figura e dos rituais de Mitra na figura de Jesus e na consolidação dos rituais cristãos. Isso deve-se à luta travada entre a fé dominante em Roma então, o mitraísmo, e a nova fé que se enraizava e expandia nos subterrâneos da metrópole da Grande Águia.
O mitraísmo era uma religião de Mistérios, totalmente fechada aos pobres e às mulheres. Só podia participar dela o homem que fosse convidado por um converso graduado, depois de passar por rigorosa investigação e votação; e depois de passar por um complexo ritual iniciático secreto. Se isso levou o mitraísmo a empolgar o mundo dos patrícios, dos militares e dos imperadores romanos, levou-o também à derrocada final, posto que o cristianismo era pregado como a religião dos pobres, das mulheres e dos escravos, do povo comum – imensamente mais numeroso. Se teve algo de secreto, foi apenas durante a fase inicial, quando havia perseguição e morte. Mas não era iniciática, para alguém tornar-se cristão bastava aceitar um batismo com água. Batismo que era também usado no mitraísmo, mas apenas como uma das muitas cerimônias do complexo ritual de iniciação.
Sintomaticamente, enquanto o mitraísmo atingia o seu apogeu entre as elites de Roma, o cristianismo crescia irresistível nas camadas mais baixas da população; acabou chegando ao exército, onde foi galgando postos também. Finalmente, chegou aos próprios imperadores. Constantino (Édito de Milão, em 313 AD), permitiu o cristianismo, mas seguiu mitráico até ser enfim batizado pelo papa Silvestre pouco antes de morrer, em 337 AD. Em 380 AD, com o Édito de Tessalônica, Teodósio I tornou o cristianismo, enfim, a religião oficial do Império Romano. Mas, já sob Constantino, começou a acontecer a progressiva assimilação do mitraísmo pelo cristianismo. E essa assimilação não se deu pelo caminho usual da perseguição, da violência e da morte. Muito pelo contrário, o caminho usado pelas agora poderosas autoridades cristãs, com seu papado recentemente exaltado, foi o do sincretismo.
Um Jesus-Mitra é criado para substituir o Jesus Nazareno, então só um profeta para os cristãos judeus da diáspora e para os ´gentios´ (os não-judeus) convertidos. Um profeta humano, que ainda não era um deus ele próprio, o que só seria estabelecido a partir do Concílio de Niceia (325 AD).
Ao invés da perseguição, veio a assimilação, a simbiose entre Jesus e Mitra. Pode-se dizer que o cristianismo vitorioso absorveu e digeriu o mitraísmo, crescendo muito com o próprio processo.
Nascido cerca de 1300 anos antes de Jesus, Mitra era branco, filho de mãe virgem, nascido em 25 de dezembro com o solstício, não teve mulher, conservou-se celibatário por toda a vida. Era o salvador e o libertador. Mas cometeu um “erro” que o perderia quando chegou a hora de disputar a primazia contra o Cristo: ele não morreu em sacrifício para salvar seus seguidores e jamais se identificou com os desprovidos e os escravos. Foi um típico deus da Era de Áries, ao passo que Jesus é considerado pelos especialistas como o máximo avatar de Era de Peixes (mais sobre isso mais adiante).
O ritual mitraico, realizado em cavernas artisticamente trabalhadas, só para os iniciados, envolvia a repartição do pão e do vinho, tomados em comunhão. Este é só mais um dos muitos pontos em comum entre as duas religiões.
A adaptação física foi também necessária, neste caso convertendo a imagem do semita judeu à do caucasiano persa romanizado. Nascido na Judeia, criado na subdesenvolvida Galileia, carpinteiro de profissão, andarilho por muitos anos sob o sol inclemente, evidentemente não podemos imaginar que esse judeu nazareno tivesse uma pele clara. Muito menos que usasse cabelo e barbas compridos, pois esse não era o costume dos judeus e galileus da época, que aparavam o cabelo bem curto e cujos jovens costumavam manter o rosto glabro.
Em nenhum dos evangelhos é feita uma descrição física de Jesus. A única menção feita é a sua idade adulta ao começar sua pregação: cerca de 30 anos. Se houve alguma descrição física, ela pode ter sido convenientemente retirada.
Muitas reconstituições foram feitas por especialistas forenses na atualidade, tomando como base crânios e esqueletos completos de habitantes que viveram na região de Jesus, à sua época. O resultado foi que os judeus dessa época tinha estatura média de 1,60 m e peso médio 50 kg. Eram baixos, delgados e de pele bastante escura. Outra coisa é a impossibilidade dos longos cabelos com os quais o Jesus atual é retratado: Na Epístola aos Coríntios, Paulo escreve: “É uma desonra para o homem ter cabelo comprido”. Então parece bastante difícil que seu mentor o tivesse tido.
Então, se queremos ter uma ideia mais realística da possível aparência de Jesus de Nazaré, devemos visualizar hoje um beduíno ou um nômade do deserto, de pele bem queimada e baixa estatura, com olhos castanhos ou pretos e cabelos pretos e crespos bem curtos. Nada a ver com o Jesus alto, de longa cabeleira e barba castanhas claras ou loiras e com os indefectíveis olhos azuis caucasianos.
Mas foi essa a figura que começou a ser pintada e descrita por ocasião do processo de mitraização de Jesus, quando tanto os rituais mitraicos como a própria figura de Mitra foram sincretizadas a Jesus Cristo. Estavam certos os próceres da Igreja cristã, pois essa tática deu resultados mais do que rápidos e satisfatórios, consolidando a ascensão do cristianismo como religião amplamente dominante nos meios urbanos – muito embora essa ascensão tenha demorado alguns séculos a mais para se consolidar nos meios rurais, que permaneciam “pagãos”, isto é, politeístas e não-cristãos.
Em meu romance histórico “ALINE DE TROYES, UMA GUERREIRA GAULESA”, retrato o exato momento em que ocorria a cristianização da Gália Romana, quando da invasão dos alamanos em 366 AD. Um dos personagens, o general romano e cônsul Flavius Valerius Jovinus, que foi, em 354 AD o fundador da Joinville original, tornou-se cristão no fim da vida, após deixar o exército. E foi o construtor da primeira igreja cristã na hoje francesa Reims, onde faleceu em 370 AD. Outro personagem chave é um abade católico do mosteiro de Troyes, um romano, cujo melhor amigo é um druida celta, o grande preceptor da gaulesa Aline, guerreira de apenas 17 anos. Procuro retratar na obra esse momento incrível de caldeamento e fusão de culturas e religiões, que levaria ao estabelecimento da moderna nação francesa, já cristianizada sob a liderança dos francos salianos, apenas dois séculos depois.
No próximo texto vamos discutir com detalhes a possível data do nascimento de Jesus em 7 antes de Cristo, bem como outros temas hoje ligados ao Natal:
A anunciação, o censo, o local do nascimento, o massacre dos inocentes, a morte de Herodes, os magos, a Estrela de Belém, o Yule, a árvore de Natal, São Nicolau e Papai Noel. E a Coca Cola!
FIM DA PARTE 1