Discurso de Posse na Academia Joinvilense de Letras (Ernani Buchmann)

 

Discurso de Posse na Academia Joinvilense de Letras

Ernani Buchmann

 

Lieber Herr Ludwig Von Alvensleben, guten abend. Alles blau? Ich spreche kein Deutsch, deshalb bitte ich un ihre erlaubnis, auf Portugiesisch zu sprechen, kombiniert?

Senhoras e Senhores, Acadêmicos, Autoridades, Familiares, Convidados, a quem cumprimento nas pessoas da presidente da Academia Joinvilense de Letras, Acadêmica Maria Cristina Dias; da querida Carol Piazera e deste monumento da literatura catarinense que é Apolinário Ternes.

Boa noite.

 

O patrono da Cadeira nº 12 da seção dos sócios-correspondentes desta Academia, acaba de me autorizar, como ouviram em castiço e bem pronunciado alemão, a proferir este discurso em português.

Então, Herr von Alvensleben, vamos falar no nosso idioma, já que aí, no céu dos escritores de língua alemã, a inteligência artificial anda com certeza bem avançada, a ponto de lhe traduzir em tempo real a nossa conversa.

Posso lhe tratar por Alves, um nome bem brasileiro? Ótimo, agradeço.

A  Joinville Literatur Akademie foi fundada em 1969, reunindo grandes expressões da nossa cultura. É bastante respeitada, porque os acadêmicos sabem honrar a nossa tradição nas letras.

Pela época da fundação, o senhor foi nomeado patrono da Cadeira nº 12 dos sócios-correspondentes, mas não sei se lhe foi comunicado. Sei lá, como dizia o compositor, o correio andou arisco*.

Joinville, senhor, é uma grande cidade do sul do Brasil, fundada por imigrantes alemães, suíços e de outros países europeus, enriquecidos por nacionalidades asiáticas, africanas, latino-americanas e dos povos originários, que miscigenaram e fizeram da nossa região uma referência de trabalho e desenvolvimento. Quer um exemplo? Meu sobrenome é Buchmann, mas também é Lopes – Portugiesisch name.

Nossa Joinville foi nomeada em homenagem ao príncipe homônimo, nobre francês que veio a casar com uma filha do primeiro imperador brasileiro. É, o Brasil foi um império, acredita? Perdão por entrar nesses detalhes, mas é preciso contextualizar o nosso processo de fundação e crescimento, coisas que o senhor não deve ter tido oportunidade de saber, porque quando os colonos aqui chegaram, em 1851, andavas criando confusão pelo império austro-húngaro – além disso, o senhor resolveu morrer poucos anos mais tarde, em 1868, pelo que envio os nossos pêsames. Desculpe o atraso.

*Após ter pronunciado o presente discurso, o autor recebeu a informação de que von Alvensleben escreveu um livro sobre a Colônia D. Francisca, obra que o credenciou para se tornar patrono da Cadeira citada.

 

Aqui chove muito, é verdade, mas o clima favorece o crescimento das flores (temos até uma festa dedicada a elas), embora as ruas de paralelepípedos (como se diz paralelepípedos em alemão antigo?), façam os carros derraparem e as pessoas escorregarem.  É uma cidade aprazível, com muitos jardins, o chopp é ótimo e o povo acolhedor, embora ninguém se atreva a nadar no Rio Cachoeira. Gott bewahre es! Ottokar Doerffel, nosso primeiro prefeito, um dos patronos da nossa Academia, deve andar se revirando no túmulo, ali no Cemitério dos Imigrantes, porque dizem que, no tempo dele, o rio tinha até peixes. É bom o senhor acalmá-lo, já que o Cachoeira deve estar limpo assim que a canalização do Rio Matias ficar pronta.

A cidade realiza o maior festival de dança do Brasil. Aqui as artes são valorizadas. Conhece Juarez Machado, o pintor? Se não conhece, é bom o senhor se atualizar, consultar a internet, a Wikipedia, assinar os canais a cabo. Desde logo sou grato se aceitar essas sugestões.

Preciso lhe dizer, lieber Alves – desculpe lhe chamar de “querido”, mas a informalidade é característica do nosso povo: por exemplo, se o senhor passasse distraído pela Rua do Príncipe, já lhe dariam um apelido qualquer, tipo “lá vai o condenado” ou lhe chamariam de “chave do presídio”, sei lá o que mais. Deixemos para lá.

Como dizia, preciso lhe informar que temos pontos em comum nas nossas carreiras. Se o senhor foi escritor, tradutor e jornalista, sou também mais ou menos isso, além de advogado, com a diferença de que não fui preso pelo que escrevi. (Perdão por lembrar dessas coisas, mas eu gostaria de ler o seu libelo contra a polícia de Leipzig, Schatten und kein licht. Essas diatribes são sempre uma delícia de ler, mesmo que às vezes nos levem à cadeia).

O senhor foi autor de inúmeras peças de teatro, assim como meu avô Ernani Lopes foi músico. Durante 50 anos, em meio à Orquestra da Harmonia Lyra, aqui, no palco em que hoje leio esta carta, o velho Ernani executou as maiores peças da música universal  como flautista. Se o senhor perdeu a oportunidade de ouvi-lo, afirmo que era um virtuose.

Durante a 2ª Guerra Mundial – deve ter ouvido falar dela, foi obra daquele austríaco louco, que engabelou os países germânicos, invadiu a Europa ocidental, a Rússia e quase conquistou o mundo – é melhor cortar essa parte, porque o senhor até morreu em Viena, deve gostar dos austríacos. De minha parte, gostei muito de lá, mesmo que tenham guinchado meu carro quando visitei a cidade pela primeira vez.

Bem, como eu dizia, durante aquela guerra meu avô assumiu a presidência deste clube, a Lyra, para evitar que a polícia política do nosso ditador empastelasse a sede, prendesse os diretores e funcionários, roubasse os bens e outras coisas que é melhor nem citar, só porque tinham sobrenomes alemães. Era uma turma da pesada, aquela – como se diz ‘da pesada” na sua língua?

Vamos ao ponto. Por que me escolheram para inaugurar a cadeira que o tem como patrono? Suponho que seja porque eu também nunca fui muito adepto da ordem constituída. Longe de mim ter sido, como o senhor, um perigo para os regimes vigentes, ninguém precisou, até hoje, me condenar à morte. Fiquei feliz por terem comutado sua pena!

Nos meus livros usei das armas que nós escritores bem conhecemos: a ironia, o sarcasmo e, quando necessário, a mordacidade. Mas nunca o cinismo.

A propósito, nasci em Joinville, há muitas décadas, mas cedo fui apartado dela. É por tal razão que escrevo sobre a cidade em sua versão dos anos 1950 e 1960. Sem ser nostálgico, uso a Joinville de então como inspiração para minhas crônicas.

E, sempre que venho aqui, gosto de caminhar pelas ruas pelas quais passei, especialmente nas manhãs de domingo. Posso espreitar o culto da Igreja Luterana, atravessar os becos, cruzar o jardim velho, ver o povo sair da catedral, que não é a minha. Aquela em que recebi a primeira comunhão, o bispo Dom Gregório botou abaixo – acredite, Alves, ainda não me conformei com isso.

Pois bem. Se não escrevi a imensidão de livros que o senhor escreveu, tenho feito o meu papel, publicando com frequência. Entre as traduções, não traduzi as importantes obras que lhe deram fama, somente manuais para cursos para profissionais de vendas. Nada importante, como se vê.

De qualquer maneira, fiquei muito feliz de ter o senhor como companheiro de academia. Acho que nos completamos – desculpe a presunção, Alves, mas já me sinto próximo da sua pessoa.

Caro colega – opa, a intimidade é sórdida – antes de encerrar quero lhe pedir três coisas. Reserve um lugar para mim no céu dos escritores de língua alemã. Acho que são capazes de me aceitar, pelo sobrenome. Pretendo fazer um estágio por aí, devem passar bons filmes, eu poderia assistir suas peças de teatro, concertos e espetáculos de qualidade. Inclusive acrescento gostar de Mozart, Beethoven, Schubert, Eric Clapton, Chico Buarque – sobre os últimos, acesse o YouTube, por gentileza.

Mas, já vou avisando: se aí tiver música do tipo sertanejo universitário, não aceitarei o estágio. Nesse caso, talvez eu até me acomode na esculhambação do céu brasileiro, com tampões nos ouvidos.

A segunda coisa é uma sugestão: que tal traduzir algumas das minhas obras? Pagamento não vai rolar, seria um trabalhinho pro bono, em nome da nossa velha amizade. Claro, seu nome estaria estampado na capa da edição alemã. Vai que a Tasken topa publicar como livro de arte… Como se diz aqui no Brasil, amigo Alves, quem não chora não mama. Quen não xôrra nicht mama. Sacou?

Por último, não deixe de contratar o ótimo ator joinvilense Fausto Rocha para protagonizar algumas de suas peças. Ele anda disponível em uma dessas nuvens aí. Faustinho vai arrasar na Broadway Celestial de vocês.

Então, Alves, fico por aqui, enviando um grande abraço teuto-brasileiro. Gostei muito do nosso papo – plaudern, ya wol? Mande lembranças minhas ao pessoal de Joinville e não esqueça de enviar notícias.

Danke shön, gutten nacht.

 

 

COMPARTILHE: