E a fila anda

Sete anos depois, Seu Ubirajara achou que era hora de fazer nova consulta. Esperou por duas horas e meia sob o sol e foi uma das 68 pessoas que conseguiram agendar médico para aquela semana. Na fila, ouviu conversas e, ali mesmo, decidiu sua preferência pelo doutor Alexandre. “Ele pede muitos exames”, ouviu de uma senhora que, aparentemente, era assídua frequentadora do posto de saúde do bairro. De outro, ouviu que “Ele olha na cara da gente”. Não teve dúvidas, escolheu como quem escolhe a bananada mais gorda da bandeja.

Do grupo que se conheceu naquela fila, Seu Ubirajara encontraria novamente, pelo menos, outros dez, em novas filas: no dia da consulta, no dia do raio-x do tórax, no dia do eletrocardiograma, ao buscar os potinhos para os deselegantes exames de urina e fezes. Iam já pelo terceiro encontro, quando alguém sugeriu criar um grupo de WhatsApp. Todos riram e comentaram sobre os temas a serem compartilhados, que tipo de fotos mandariam, que dores contariam, quais listas de medicamentos bons para isso ou aquilo.

No quarto encontro, um senhor aparentemente muito nervoso foi acalmado por uma senhora nova no grupo: “O senhor se acalma ou vai acabar furando a fila da morte e chegando primeiro lá”, ao que um terceiro satiriza: “Se a fila da morte for igual essa do SUS, a gente tá feito!”, e a fila riu, como é dado ao brasileiro que não se rebela porque encontra saída e grandeza na piada, porque se vinga das autoridades mantendo inabalável humor e resiliência.

Em algum tempo, a excursão do doutor Alexandre pelos laboratórios da cidade terá terminado, com resultados surpreendentes para uns, com péssimas notícias para outros, com o que resta da vida desse povo, que forma filas em busca de alguma dignidade e de um pouco de atenção e que oculta, no fundo do peito, a verdade inexorável: todos caminham para o fim, por mais lenta que caminhe a fila do SUS.

Cansado, no quinto dia de exames, Seu Ubirajara pensa que o brasileiro merece algo melhor do que tem recebido, mas para isso, precisa tirar os canalhas que aí estão, por mais lenta que caminhe a fila do Poder.

 

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