Ernani Buchmann, presidente da Academia de Letras do Paraná discursa sobre a relação literária com Santa Catarina

Excelentíssimo presidente da Academia Joinvilense de Letras, David Gonçalves; ilustre Vice-prefeito de Joinville, Coronel Nelson Coelho, em nome de quem saúdo todas as autoridades públicas; caro escritor Apolinário Ternes, este Everest das letras joinvilenses, na pessoa de quem cumprimento todos os intelectuais aqui presentes, acadêmicos, familiares, convidados, senhoras e senhores,

Boa noite.

Há 25 anos foi a primeira e última vez que fiz uma palestra em Joinville, o que resultou em retumbante fracasso. Ocorre que na época eu sofria de pólipos nas cordas vocais, o suficiente para que minha voz desaparecesse com menos de 15 minutos de palestra.

Uma vergonha da qual ainda não me recuperei. Portanto, inicio comunicando que tenho grande esperanças de que os pólipos não tenham voltado, logo hoje, nesta ocasião em que a cidade comemora os 50 anos de fundação da Academia Joinvilense de Letras.

Dizer que é uma imensa satisfação ocupar esta tribuna em data tão importante, é pouco. Meus sentimentos vão da alegria à emoção, do orgulho ao reconhecimento.

A Sociedade Harmonia Lyra faz parte da minha família há quase cem anos. Meu avô, Ernani Lopes, natural do Desterro, chegou a Joinville em 1917, com 15 anos. Foi trabalhar na Farmácia Minâncora e depois fez carreira como empresário do ramo de seguros. Atuou como flautista da Orquestra da Lyra por 50 anos entre 1924 e 1974.

Durante a 2ª Guerra, após ameaças de ocupação do clube por parte das forças do Estado Novo, meu avô aceitou assumir a sua presidência. Ernani Fernandes Lopes era um nome tipicamente brasileiro, insuspeito, não iria despertar a ira dos furibundos agentes da polícia política.

Nesta casa dancei em muitas noites de domingo, no pequeno salão ao lado do restaurante, e compareci a diversos bailes, até me desligar da cidade a partir da entrada na Faculdade de Direito em Curitiba, em 1967.

Ficaram aqui os avós, as tias e os tios, os primos, amigos e as lembranças. Entre elas, a do primeiro lugar conquistado em um concurso escolar sobre Tiradentes promovido pelo 13º BC, hoje 62º RI, em 1958, com a participação de 600 alunos dos grupos escolares e do Colégio São Vicente de Paulo.

Fui o primeiro colocado, meu colega de turma Rubens Lopes de Sá o segundo e a antiga colega de turma Maria Elizabeth do Nascimento a terceira colocada.

Há três semanas reencontrei a Elizabeth pelo Facebook e nos encontraremos na próxima semana, em Curitiba, onde ela também mora.

Será uma ótima ocasião para desfazer um problema que persiste há 61 anos. Acontece que, quando os representantes do Exército entraram na sala do Grupo Escolar Germano Timm para comunicar que os dois primeiros colocados eram daquela turma, todos ficaram surpresos.

Mais ainda quando disseram que a terceira colocada era Maria Elizabeth Nascimento, nossa colega até o fim do ano anterior, e sempre primeira da turma.

A surpresa ficou maior quando anunciaram que o segundo colocado era Rubens Lopes de Sá, legítimo herdeiro do posto de melhor aluno da turma.

Então, quem seria o dono do primeiro lugar? Para pasmo de todos, Ernani Lopes Buchmann.

O problema é que sou um incorrigível canhoto. Meus garranchos na tentativa de escrever são medonhos. Pior eram naqueles tempos da obrigatoriedade de se escrever com caneta tinteiro. A cada “f”, a cada “g” ou “j”, eu deixava na prova uma extensa faixa cinza abaixo da linha. Não por acaso, considero Monsieur Bic um dos gênios da humanidade, desde que a caneta esferográfica passou a ser permitida nas escolas.

A deficiência sempre me tirou pontos essenciais, por conta do quesito “Capricho”, a depender do qual eu estaria sempre reprovado.

Naquele concurso, nem Elizabeth nem Rubens usaram do meu estratagema. Minha mãe exigiu que eu fosse à biblioteca pública, ali no Jardim Velho, e emprestasse um livro sobre Tiradentes. Depois de um sonoro esculacho, dias depois – não fosse minha mãe filha de quem era, adepta como meu avô de um certo autoritarismo, traço, afinal, comum às mães – peguei o livro, estudei as lições e ela me tomou os pontos.

Ainda possuo a medalha da discórdia, que mandei limpar e entregarei a Elizabeth em nosso encontro do dia 20. Resta sabe se ela vai aceitar a gentileza, depois de ter ficado magoada por tantas décadas com aquele singelo terceiro lugar.

Rubens morreu em 2010, após carreira como engenheiro da Copel, a companhia de energia do Paraná.

Interessante é que todos os três radicaram-se em Curitiba. Isso porque a ligação entre Joinville o primeiro planalto paranaense é umbilical. A proximidade sempre ajudou o sobre e desce da serra, assim como as travessias por balsa – e eram três –, afastavam Joinville de Florianópolis.

As tropas de Gumercindo Saraiva subiram a Serra D. Francisca no início de 1894, depois de expropriarem bens, mantimentos, vacas e cavalos dos colonos de Joinville. Os registros contam que os alemães seguiam as tropas de longe, esperando que pelo menos um ou outro cavalo fosse descartado por fadiga e deixado para serem resgatados pelos seus proprietários. A perseverança dos colonos nos permite imaginar o papel desempenhado pelos animais nas suas lavouras.

Subiram até Tijucas do Sul, passaram por São Bento do Sul e foram dar na Lapa, onde as forças legais os seguraram por três semanas. Depois de invadirem Curitiba, meses depois, a partir de Ponta Grossa, Gumercindo e suas tropas debandaram em fuga, findando a dita Revolução.

Já a primeira viagem de automóvel entre Curitiba e Joinville data de 1906, protagonizada por Francisco Fido Fontana, proprietário do primeiro carro a motor a circular em Curitiba. Ele, a mulher e um certo Major Braga, que servia como chofer, saíram de Curitiba, passaram pela Lapa e chegaram ao fim do primeiro dia em Rio Negro. Na manhã seguinte desceram a Serra Dona Francisca.

A crônica da época registra que a Sra. Fontana ficou deslumbrada com Joinville, para ela um verdadeiro jardim.

A volta foi mais difícil, serra acima, exigindo três dias para chegarem a Curitiba.

O episódio mais interessante desta viagem, publicado em jornal, deve-se a um caboclo que, tangendo sua vaca pela trilha, viu uma nuvem de poeira se aproximando acompanhada de um barulho infernal. Cuidou de abrigar-se com a vaquinha e ao ver o automóvel passar comentou:

– Isso é o tal de alifante?

Fato é que ao longo dos séculos o intercâmbio entre os dois estados vizinhos tem sido imenso, assim como o intercâmbio literário tem sido fecundo. Vamos ver como esse último vem se dando.

Do Paraná para Santa Catarina

Júlia da Costa – Nascida em Paranaguá e radicada em São Francisco do Sul, foi a primeira mulher intelectual paranaense. Poeta e cronista, publicou seus textos em jornais e revistas. Flores Dispersas foi seu único livro, impresso na Ilha do Desterro. Já viúva, passou seus últimos anos em reclusão, de volta a Paranaguá, onde faleceu em 1911.

Paulo Leminski – Nascido em Curitiba, foi poeta (Não Fosse Isso e Era Menos, Caprichos e Relaxos), mas deixou obras em gêneros diversos, inclusive o revolucionário Catatau. Mente privilegiada, era tradutor, professor, crítico, letrista e redator publicitário. Filho de militar, durante a infância viveu algum tempo em Itaiópolis, mas a família não se demorou em Santa Catarina. Viveu 44 anos, mas que valeram 88. Do ponto de vista catarinense, uma pena que não tenha se radicado aqui, porque teria sido igualmente um gigante das letras do lado de Santa Catarina. Mas, como sempre dizia, um pinheiro não se transplanta.

Joseli Vianna Baptista – Curitibana, incansável, é poeta, tradutora e escritora. Entre seus livros, estão Ar (1991), Corpografia (1992) e A concha das mil coisas maravilhosas do velho caramujo (2001) e Roça Barroca. Em 1996, criou a coleção Cadernos da Ameríndia, dedicada a temas do repertório cultural e textual de etnias indígenas sul-americanas. Vive em Florianópolis.

Rodrigo Garcia Lopes – De Londrina, poeta   tradutor, compositor, editor, professor e jornalista. Atua também como tradutor, vertendo para o português os poetas norte-americanos, principalmente os da “Geração Beat”. Lançou em 2018 um livro sobre Paulo Leminski, editado pela Biblioteca Pública do Paraná. Doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina, também vive em Florianópolis.

 

David Gonçalves – Conheci o David em Curitiba, há mais de 20 anos. Sua obra tem a característica de circular entre uma sólida literatura, inclusive a infanto-juvenil, e os temas técnicos. Joinville foi seu porto seguro, a cidade que lhe deu a oportunidade de se consolidar profissionalmente e como autor. É com muito orgulho que o Paraná empresta o nosso presidente para Joinville e para a Academia Catarinense de Letras.

Edson Vicente, o Jerê – Viveu menos de 40 anos, mas foi jornalista em tempo integral, por último em A Notícia de Joinville, até falecer. Ficou conhecido pela divertida coluna Baixa Sociedade, que deu origem ao livro do mesmo nome, publicado postumamente em 2002.

Esta é, em rápida pesquisa, a minguada – porém consistente – contribuição do povo de serra acima para a turma de serra abaixo. A contribuição catarinense é bem maior.

De Santa Catarina para o Paraná

Manoel Carlos Karam – Natural de Rio do Sul, foi para Curitiba na juventude e lá ficou até falecer. Dramaturgo e diretor de teatro, além de jornalista e escritor. Publicou diversos livros incensados pela crítica paulista de vanguarda, como Cebola, Jornal da Guerra Contra os Taedos e Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca. Dono de um texto apurado, seus livros foram temperados com pitadas certeiras de ironia.

Maurício Távora – Nascido em Florianópolis, ator, dramaturgo, diretor teatral e redator publicitário. Foi diretor-superintendente do Teatro Guaíra em Curitiba. Dirigiu o espetáculo de inauguração do Grande Auditório do teatro, Terra de Todas as Gentes. Seu livro de poemas Voavida, foi editado postumamente pela Secretaria de Cultura do Paraná.

Walmor Marcelino – Catarinense de Araranguá, socialista, já falecido, teve forte atuação contra o governo militar. Jornalista, publicou mais de 30 livros, entre ficção, poesia, teatro e artigos de opinião. Entre suas obras estacam-se Os Fuzis de 1894, sobre a Revolução Federalista, e O Carrasco e sua Sombra.

Wilson Rio Apa – De São Paulo, formou-se em Direito pela UFPR. Viajou o mundo como marinheiro e depois radicou-se em Antonina, onde dirigiu uma cooperativa de pescadores e organizou uma comunidade artística. Publicou mais de 30 obras. A partir do fim dos anos 70, passou a viver em Florianópolis, onde faleceu.

Zilda Arns – Nascida em Forquilhinha (SC), formada em Medicina pela UFPR, criou a Pastoral da Criança, que a tornou conhecida mundialmente. Entre os prêmios que recebeu, destacam-se o Opus Prize (EUA) e o de Heroína da Saúde Pública das Américas (OPAS). Cidadã Honorária de 11 estados brasileiros e Doutora Honoris Causa de cinco universidades no país. Sua vida já mereceu duas biografias, escritas por sua irmã, Otília Arns, e por Ernesto Rodrigues. Faleceu no terremoto do Haiti, em 2010.

 

Cristóvão Tezza – Lageano, vive no Paraná desde 1976. É um dos mais premiados autores contemporâneos brasileiros. Autor de 20 livros, traduzido em 18 línguas, entre os quais se destaca o romance O Filho Eterno, um poema de amor de um pai dedicado a um filho especial.

Os que passaram pelo Paraná

Deonísio da Silva – Romancista, filólogo, professor universitário, nascido no oeste catarinense, morou no sudoeste do Paraná, em Porto Alegre e São Paulo e há anos está radicado no Rio de Janeiro. Venceu o prêmio Casa de Las Américas com o romance Avante, Soldados: para trás!, uma sátira sobre a Retirada da Laguna, na Guerra do Paraguai. Receberá dia 11 de dezembro próximo o título de Membro honorário da Academia Paranaense de Letras.

Sílvio Back – cineasta e poeta, viveu muitos anos em Curitiba, inicialmente como jornalista e crítico cinematográfico. Lance Maior, seu filme de estreia, com Regina Duarte, foi produzido enquanto ainda vivia no Paraná e filmado em Curitiba. Suas origens também o levaram a filmar A Guerra dos Pelados, sobre o Contestado. Tem diversos livros publicados.

Juarez Machado – Artista plástico, mas também autor, Juarez viveu anos em Curitiba, onde ainda hoje mantém seu guruato. Durante décadas foi o mais famoso joinvilense do mundo, ganhando até do Bandido da Luz Vermelha. Acho que ainda é, embora agora tenha a concorrência, entre outros, de Amanda Richter e da Baterista Duda.

Fernando José Karl – Foi e voltou. Ficou muito conhecido em Curitiba por ter sido um dos editores do jornal cultural Nicolau, órgão da Secretaria de Cultura do Paraná. O jornal marcou época, a partir da segunda metade dos anos 80. É autor de uma extensa e privilegiada obra, em que mostra seu espírito curioso a trafegar em diferentes trilhas.

 

 

Os da Academia Paranaense de Letras

Fernandes de Barros – Patrono da Cadeira nº 7 da APL, era cearense. Viveu em diversos estados brasileiros. No Paraná foi aposentado por conta da Revolução de 1894. Exerceu a função de Juiz de Direito em Joinville, mas a história oficial conta que aqui foi maltratado pela população, por ter publicado obras a favor do Paraná na questão dos limites. Nem casa para morar teria conseguido. Neste sentido, foi um presente de grego ao povo catarinense. Mas eu gostaria de ter tido a oportunidade de me contrapor ao autor da biografia de Fernandes de Barros. Se tivesse tido a chance de exercer o direito do contraditório, argumentaria que a indelicadeza não é um traço de Joinville, com o que se depreende que tal episódio tem mais lenda que verdade.

Dante Mendonça – Nascido em Nova Trento, ainda mantém residência lá e em Balneário Camboriú, além de Curitiba. Jornalista, começou como chargista para depois de tornar cronista e escritor. Autor de diversos livros de muito sucesso no Paraná, entre eles Curitiba: Melhores Defeitos, Piores Qualidades e Maria Batalhão: Memórias Póstumas de uma Cafetina. Ocupa a Cadeira nº 1 da Academia Paranaense de Letras.

Paulo Venturelli – É de Brusque, filho de operários da indústria têxtil. Doutor pela USP, foi professor da Federal do Paraná desde os anos 70. Fantasmas de Caligem e Meu Pai são seus romances mais conhecidos. É dele a Cadeira nº 5 da APL.

Ruy Wachowicz – Um dos grandes historiadores do Paraná, nascido em Itaiópolis. Falecido em 2000, foi o mais dedicado pesquisador da imigração polonesa no estado, mas sua obra maior é a própria História do Paraná. Professor da UFPR, Ruy Wachowicz ocupou a Cadeira nº 10 da APL.

Bernardino Bormann – Militar, gaúcho, historiador, é patrono da Cadeira 14 da APL, tendo vivido muito tempo em Curitiba. Escreveu a História da Guerra do Paraguai e uma biografia de Duque de Caxias, entre outras obras. Durante 16 anos viveu no oeste catarinense, designado para fundar a Colônia Militar de Chapecó.

Marta Morais da Costa – Nascida em Ouro, desde cedo radicada em Curitiba. Foi professora de diversas áreas, no Colégio Estadual do Paraná e na Universidade Federal. Especialista em teatro, tem muitas obras sobre formação de leitores. É a Primeira secretária da APL, onde ocupa a Cadeira nº 27.

Pois bem, senhoras e senhores, este é o resumo.

Quero acrescentar que, em 1984, A Notícia publicou uma crônica minha, Joinville que me foi infância, poema em prosa que rememorava os locais que me marcaram na década de 1950, a única que vivi nesta cidade.

Sempre que venho para cá tento refazer meus passos 60 anos depois. Do Hotel Tannehof saio pela Conselheiro Arp, Rua Lages, João Colin, cruzo a igreja luterana entrando pelo beco da Rua dos Ginásticos, saio na Princesa Isabel, Rua do Príncipe, Praça da Bandeira, Rua Rio Branco, Sete de Setembro, Mercado, Procópio Gomes, Plácido Olímpio, Getúlio Vargas, passo por trás do hospital São José, revejo a maternidade Darci Vargas em que nasci, o quartel do 62º RI em que subi ao alto do meu primeiro e único pódio, e volto ao hotel.

É uma espécie de volta em torno do umbigo ou um giro pelo útero materno. Um deleite. De Joinville só tenho boas recordações. Esta cidade está impregnada na minha memória, na minha retina e na minha alma.

Muito obrigado, Joinville!

 

 

 

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