Herculano (Marinaldo)

TEXTO-PRESENTE para Herculano Vicenzi

 

Há um senhor, com cara de cultivador, contador de causos e com a escrita enxuta, aos modos de Sebastião Nery, cronista da Folha de São Paulo que inclusive já foi citado por ele, instalado numa conhecida Academia de Letras de uma cidade muito importante, apelidada de Manchester. Dizem que recebeu o nome de Herculano pelos pais que o vislumbraram como esses homens que cheios de fortaleza, parecem uma armadura. Combinou com o nome italiano que traz a graça e a sanha dos vencedores. Hercolono, como ficou conhecido por uns e outros, se aprofundou nos bretões de sua terra para cravar na memória de seus moradores as histórias que muitos nem conheciam. Não sei se é verdade ou lenda, mas vou contar esse conto para ornamentar essa prenda. Mas dizem que, quando escreve, uma luz inteira alumia! Dizem, que quando falou sobre uma certa dança de uma tal moça que só ia nos bailões acompanhada de Filó, lembrava do Salão do Jacó. Na realidade, dizem que ficou na dúvida se escrevia sobre aquele recanto dançante do Quiriri ou sobre o Salão do Russo, que também ficava por aqui.

Esse homem hercúleo, com sobrenome vencedor, já foi comparado ao amor, pelo menos é o que me disseram três crianças que encontrei na subida do Monte Crista, enquanto atravessam um rio que mudava de lugar. Era uma lua cheia, dava pra ver no céu enquanto a imagem se formava entre o sair do sol e a entrada dela. Um dos meninos, todo “entupigaitado” – era o que o Herculano escreveria se fosse ele em meu lugar ouvindo a rapaziada – disse que tinha ido na biblioteca da sua escola, na semana que tinha passado, um homem contando uma história que ele lia num livro que falava sobre uma história imperial. Disse o segundo menino, jogando uma bola de sal em cima de uma lesma, que o homem bonzinho falava com tanto louvor, que os três apelidaram ele de “o senhor amor”. Eu achei tudo tão bonito, os guris no meio da agricultura falando de literatura. Eles falaram com poesia, parecia uma história inventada… mas era verdadeira! Mas quando me apontaram uns pés de bananeira que tinha na montanha logo atrás, eu olhei, e quando me virei, eles já não existiam mais.

Fiquei curioso e também meio medroso com a história do escritor-amor que gostava de contar causos. Saí à procura dele, e encontrei muitas histórias. Estava ele nos livros, um chamado Alma Verde, outro, a Imperial Estrada da Serra, e achei muito legal os presentes Nos fundões de Joinville, histórias da nossa terra. Encontrei ele numa frase tão feita por ele que só ele mesmo, falando que uns caras “deram uma estivada até Campo Alegre para gatunar ovelhas”. Achei poesia explicitamente escondida quando ele me disse sobre os montes que rodeiam a cidade, falando que lá é “lugar onde a serração é tapume”. Eu encontrei um lume nessa simplicidade. Parece que vi os homens da Terra Oca, narrativa de um desbravador que ele resgata com maestria, e senti a magia dessa gente que anda por labirintos abrindo os olhos de milhares de famintos por fantasia, por magia, por quem tem inclinação para a imaginação e abraça a esperança como uma criança abraça-se numa dança.

Fiquei tão mexido com aquilo tudo! O escritor-amor, esse Vicenzi que é Herculano, hercúleo, fulano que se integra ao colono e dele faz obra de arte, apresentou pra mim a visão de um índio que tem a lança flamejante! Ah, isso não podia ser verdade! Aqui, nesta cidade, pertinho de tudo que eu conheço, há essa possibilidade? Sério? Me perguntei (auto-sic), ah, eu mereço! E saí. Isso foi num dia qualquer que não lembro e não adiantaria contar porque ninguém acreditaria. Mas consta que, de posse de uma lanterna, um elixir feito pela Dona Dica – benzedeira que deixou uma receita de coragem antes de morrer em 1985 – e um mapa que eu havia encontrado dentro do livro do próprio escritor-amor, eu fui a procura do lendário indígena. Cada vez que mais me aproximava dos verdes campos da minha terra, mais lembrava do Vicenzi, narrando que “De manhã, os campos naturais costumam apresentar coloração dourada. As nuvens, ao amanhecer e ao entardecer, surpreendem pela coloração ora violeta, ora rosa. Um espetáculo de se tirar chapéu de aba larga”. Nem eu acreditava em mim procurando aquela novidade! Santo Deus, o que um escritor-amor é capaz de fazer na gente? – eu me perguntava, enquanto adentrava na densa vegetação. Quando vi no caminho do Monte Crista as pedras que ele havia falado, pareci que ouvi o cara sussurrando “Há quem acredite que em algum ponto secreto existe uma entrada para o centro da Terra, onde viveria uma civilização mais adiantada do que a nossa”, parece que eu via o autor, com seu sorriso imenso, tirando a minha tensão e me dando um corrimão, onde o coração parecia já suspenso.

Talvez vocês não acreditem, mas também não vou mentir para enganar. Vou apenas contar que a lança flamejante, no fim, não apareceu. Mas o que posso garantir, sem medo de que alguém possa rir, é que quando eu li tudo o que havia naqueles causos, eu pareci que fui mergulhando em outra imaginação, e perante tudo o que aconteceu, e que já narrei até aqui, posso dizer que tudo o que Herculano escreveu, mesmo que seja mito é fato, é força, e perde quem nunca o leu.

Ac. Herculano Vicenzi

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