Incêndio na Cidadela Antártica. Conheça sua história. (Cristina)

Um incêndio consumiu na tarde desta sexta-feira, 19 de março, um pavilhão da Cidadela Cultural Antártica, um espaço que faz parte do patrimônio cultural de Joinville.

 


Conheça um pouco da história do local, que remonta ao final do século 19:

 

Cervejaria Tiede foi fundada em 1889, renovou-se como Catharinense e ainda hoje é lembrada como  a Cia Sulina Antártica

Maria Cristina Dias

 

Tomar uma cerveja com os amigos no final de um dia de trabalho não é algo novo em Joinville. A Colônia Dona Francisca ainda estava sendo estruturada e as primeiras cervejarias já começavam a produzir a bebida, que passaria a integrar o dia a dia da comunidade nos momentos de alegria, confraternização, e – por que não?  – de tristeza. Nascida ainda no século 19, a Cervejaria Tiede passou por momentos difíceis com a morte prematura de seu fundador, foi rebatizada de Catharinense por volta de 1915 e, com uma linha de produtos que incluía gasosas, licores e até xaropes de frutas, fez parte da vida de gerações de joinvilenses ao longo do século 20, com o nome de Cia. Sulina Antártica.

As primeiras garrafas produzidas na Cervejaria Tiede começaram a chegar na mesa dos consumidores em janeiro de 1889. A abertura oficial do novo empreendimento foi no primeiro dia do ano e na edição de 9 de janeiro de 1889, o jornal Reform, de circulação local, publicava uma nota informando à comunidade: “O proprietário de cervejaria, Sr. Alfred Tiede, que até este momento era sócio da firma Cervejaria Tiede & Beyerstedt, recentemente fechada, abriu a sua própria cervejaria, a qual também administra, no dia 1º de janeiro, sob a denominação de “Alfred Tiede”, segundo tradução da pesquisadora Brigitte Brandenburg.

Tiede apostou na crítica dos jornais e enviou para o editor, “como amostra”, 25 garrafas de sua produção. O resultado foi a nota  que visava atrair mais clientes.  “Julgamos que a amostra que nos foi enviada apresenta um gosto forte em uma cerveja muito clara e de bom encorpamento, que nós consumidores de cerveja desejamos. É uma cerveja que está acima das melhores cervejas aqui criadas, e que pode colocá-las em segundo lugar”, aproveitando para salientar o preço do produto, considerado bom para a época. “Levando-se em consideração a concorrência, o Sr. A. Tiede estabeleceu o preço de uma dúzia de garrafas em 2$000 réis, sem que isto afete a qualidade da cerveja. Se o Sr. A. Tiede mantiver-se fiel a este princípio, e fermentar a sua cerveja na mesma qualidade com o qual nos enviou, não faltarão encomendas e os consumidores de cerveja devem levar em consideração que quanto maior a concorrência melhor será para a situação atual do mercado”.

A nova cervejaria foi criada na antiga Mittelweg, o Caminho do Meio, atual rua 15 de Novembro, no mesmo local onde depois funcionou a Cervejaria Catharinense e a Antártica e que hoje é conhecido como Cidadela Cultural Antártica. Usava as águas puras que brotavam na região. Cervejeiro, Alfred Tiede chegou à Colônia  Dona Francisca solteiro, aos 27 anos, em 1881, e casou-se com Mathilde Brand, a Lilly, que havia chegado no mesmo ano, em outro navio. O casal foi morar em um lote de 5,50 morgos (um morgo é cerca de 2.400 metros quadrados) no Caminho do Meio, onde anos depois, Tiede abriu a cervejaria.

Alfred Tiede morreu de câncer, em 1904, e não deixou filhos. Ele e Lilly tiveram apenas uma criança que também já havia falecido. O casal, então, adotou um sobrinho que tinha o mesmo nome do tio: Alfred Tiede. A coincidência de nomes cria certa confusão quando se pretende lembrar a história da empresa. O fundador do empreendimento, porém, era nascido em Thurn e filho de Christian Friedrich Tiede e Mathilde Braun Tiede (que viúva, também imigrou para a Joinville). O sobrinho, por sua vez, era Alfred Carl Tiede, nascido em 1893, e filho de Rudolf Baade e Marie Tiede. As informações constam no “Kolonie Zeitung”, em nota que comunica seu casamento com Gertrud Bennack, em 1917, e foram traduzidas por Brigitte Brandenburg.

Após a morte do marido, Lilly Tiede a princípio assumiu os negócios da família. Rótulos da primeira década do século 20 mostram o novo nome da empresa: “Va de A. Tiede”. Na segunda década do século 20, por volta de 1915, o sobrinho Alfred Tiede assumiu os negócios da mãe adotiva. Nos rótulos, o nome da empresa já aparecia como “Alfred Tiede & Cia”. Nos anos 20, com a chegada de um sócio, os rótulos passam a apresentar a identificação “Tiede, Seyboth & Cia”.

A princípio, a empresa fabricava cerveja de alta fermentação. Só na gestão de Tiede, o sobrinho, começou o processo de baixa fermentação. “A modificação no processo visando alcançar maior produtividade trouxe também problemas financeiros que culminaram com a transformação da Tiede, Seyboth & Cia em Cervejaria Catharinense”, explicou Walter de Queiroz  Guerreiro, em sua “Resenha Histórica da Companhia Sulina de Bebidas Antártica”. Na resenha consta que na formação da Cervejaria Catharinense houve o aporte de capital de empresários e firmas da região, como Henrique Douat, Eugênio Fleischer, Colin&Co, Böhm, H. Zimmermann e Werner Metz e Max e Georg Keller. “Tornando-se assim a maior cervejaria do Estado, com produção de 18 mil hectolitros/ano e capital investido de 800 contos de réis. “, detalha, acrescentando que nesta época, final dos anos 20 e década de 30, o local contava com 80 empregados e produzia as marcas Ouro, Pilsen, Catharinense, Clarinha, Sem Rival, Porter e Munchen, além de refrigerantes. E no início da década de 1940, deixa, definitivamente, de levar o nome Tiede. “Em 1942 a Cervejaria Catharinense é reinaugurada e, com a conclusão do novo prédio, Werner Metz assume como diretor-presidente”, afirma Walter em sua pesquisa.

Matriz em São Paulo e unidades fabris pelo Brasil

Nos anos 50, a antiga Cervejaria Tiede e Cervejaria Catharinense havia sido incorporada por um grupo maior: a Companhia Antártica Paulista, que tinha matriz em São Paulo e unidades fabris espalhadas pelo país. Em 1954, Kurt Germano Freissler começou a trabalhar no local – e durante 25 anos fez parte do dia a dia da empresa. Aos 95 anos, a viúva de Kurt, Zulma Freissler, conta que ele a princípio era chefe da área de máquinas da Hoepcke, quando um dos diretores da Antártica o convidou para assumir como gerente na cervejaria. Quando, no início dos anos 70, ela se tornou a Cia. Sulina de Bebidas Antártica, Kurt Freissler foi diretor, comandando uma rede que tinha unidades vinculadas a Joinville em Curitiba, Porto Alegre e Caxias do Sul, entre outras cidades.

Zulma lembra que quando o marido começou a trabalhar na empresa, ela era pequena, com menos prédios. “Aos poucos foi feita a expansão. Substituíram algumas máquinas, fizeram depósitos. A única coisa que ficou foi a casa de máquinas. Cresceu muito e ficou muito bom”, recorda, falando de um momento de renovação na empresa que, na época, já era quase centenária.

Usava-se a água da fonte do terreno, mas Zulma explica que havia uma fonte na rua Padre Anchieta, de onde vinha água por uma canalização subterrânea para a cervejaria. Com isso, era possível atender a demanda. “A Antártica comprou aquela propriedade e havia duas fontes: uma perto da rua e outra mais para trás. Uma tinha 120 metros de profundidade e a outra, 60”, garante ela, ressaltando a qualidade do líquido. ,

Nesta época, a empresa tinha dois cervejeiros, Curt Zastrow e Friedrich Müller

que estudaram na Alemanha e trabalharam durante décadas na empresa. Mas também formava seus próprios funcionários. Muitos começavam no estoque, lidando com a matéria-prima, para depois começar a participar no processo fabril. “Começavam bem jovens e faziam carreira lá”, lembra.

Kurt Freissler não pegou o tempo de Werner Metz e respondia diretamente à matriz, em São Paulo. “Ele já entrou na Antártica Paulista”, diz Zulma.

Durante muitos anos, a Antártica dominava o mercado local e era a mais consumida nas festas – que não eram poucas. Na Sociedade Ginástica, por exemplo, chope era da Antártica. Com o tempo, distribuidoras de outras marcas chegaram. E, em uma cidade onde todos se conheciam, as brincadeiras e provocações eram muitas. “Quando íamos em uma festa, o Acyr Pizzato, mandava uma Brahma para o Kurt tomar. Eu ria… Ele levava na esportiva”, diverte-se Zulma, referindo-se ao distribuidor da cerveja concorrente nos anos 1970.

Em 1979, Kurt Germano Freissler tinha 69 anos e no dia 17 de dezembro festejou os 25 anos na empresa. Dez dias depois, faleceu repentinamente, sem nunca ter se aposentado.

Em 1998, foi a vez do fim da fabricação da cerveja Antártica em Joinville. Segundo a resenha histórica de Walter Guerreiro, na época o patrimônio foi passado para Bebidas Antártica Polar, que em 2001 o vendeu à Prefeitura de Joinville. Hoje, os antigos galpões e depósitos formam a Cidadela Cultural Antártica, na avenida 15 de Novembro.

 

Reportagem publicada originalmente no jornal Notícias do Dia/Joinville, em 2014

COMPARTILHE: