O ser humano é um cara bom? (Fiuza)

O ser humano é um cara bom, ou é um tipo mau?

Nós sabemos quem é bom e quem não é. Não temos dúvidas entre Jesus ou Judas. Sabemos a diferença entre Tiradentes e Joaquim Silvério dos Reis. Entre o Batman e o Coringa. Entre o mocinho e o bandido.

Que dificuldades temos para classificar pessoas como Gandhi, Madre Tereza, Luther King ou Mandela? Parece não haver problema! Da mesma forma quando vemos um retrato de Robespierre, de Hitler, de Mussolini ou de Stalin. Qualificamos facilmente.

Nesses estereótipos encaixamos também nossos amigos: são pessoas boas. Tampouco vacilamos ao classificar nossos desafetos. Eles são definitivamente maus.

Sei não.

Hobbes pensava que o homem vivia em guerra permanente. Em estado natural, a vida do homem é solitária, brutal e curta. É necessário um governo que o controle. Do contrário, “o homem é o lobo do homem”. Sua opinião favoreceu os regimes despóticos a os reis absolutistas.

Já Rousseau acreditava em nossa boa índole. Ele acreditava que o homem nasce bom e é a sociedade que o corrompe. Ele fez parte dos intelectuais do Iluminismo, que foram decisivos para a Revolução Francesa e sua máxima de liberdade, igualdade e fraternidade.

Sei também não.

Estas conclusões dogmáticas tendem a ignorar a complexidade dos seres humanos e das sociedades em que eles vivem.

O homem é um primata que se criou nas savanas africanas, onde precisava ser brutal para sobreviver e acasalar. Isto está em seus genes. Mas já naquela época o ser humano aprendeu que viver em grupo diminuía aquela brutalidade toda. Mesmo que lhe restasse obedecer ao macho alfa e às suas grosserias, era melhor do que enfrentar um tigre sozinho. Naqueles pequenos grupos já surgiram as primeiras regras de convivência. Isto também está na herança genética.

Desde então o homem tenta equilibrar suas necessidades e desejos com o que é importante para o grupo. Seus desejos desaguam nos impulsos e estes muitas vezes devem ser reprimidos, seja em função da família, ou dos colegas, ou do país ou mesmo da humanidade. Aí, é preciso criar desejos secundários, que sejam compatíveis com as necessidades do grupo. Desde então o homem virou parte do clã, virou patriota.

Foi aí que o homem desenvolveu uma linguagem de defesa do grupo. Esta linguagem pode enfatizar direitos e liberdades (aí nasceu a direita) ou então divisão igualitária e justiça (daí veio a esquerda). E desde então julgamos nossos amigos ou inimigos. Quem estiver no nosso grupo, é uma pessoa boa. Os que representam o outro grupo e que defendem o outro lado, são pessoas más.

Líderes são as pessoas que melhor sabem lidar com estas ambiguidades humanas. Ao longo da história, os líderes repressores desempenharam o papel de macho alfa e mantiveram seus domínios apoiados na força. Na antiguidade vimos vilões como Átila, Herodes, Nero, Genghis Kahn e Torquemada. Nos últimos tempos vimos Idi Amin, Komeini, Bin Laden e Pinochet mantendo o poder pela força. Aqui, Medici e outros militares foram exemplos. Maquiavel foi o livro de cabeceira destes tiranos, mostrando o caminho a seguir para tomar e preservar o poder.

Já os lideres inspiradores procuraram fortalecer os laços sociais, acreditando que os humanos poderiam viver melhor com compreensão, negociação e concessão. Definiram os marcos civilizatórios e conseguiram melhorar dramaticamente a qualidade de vida das pessoas. Pessoas como Confúcio, Buda, Maomé, Joana D’Arc, Abraham Lincoln e mais recentemente Desmond Tutu, Gorbatchev, Kofi Annan e Malala são exemplos edificantes.  Aqui, podemos nos mirar na vida da Princesa Isabel, de Dom Helder Câmara ou de Zilda Arns.

Os homens se balançam entre estas tendências. Se verificarmos a linha de tempo da história universal, verificamos que as pessoas e os povos tendem a priorizar os líderes e os sistemas civilizados. O autor canadense Steven Pinker demonstrou como as políticas que traziam a humanidade e a ética como norte melhoraram a vida das pessoas. Em seu livro “Os anjos bons da natureza” ele mostrou o incremento de todos os índices de qualidade de vida à medida que os séculos passavam. Ele mostra gráficos e tabela sobre a evolução da fome, da pobreza, da desigualdade, da proteção ao meio ambiente, da vida em paz e da segurança das pessoas. Tudo tem melhorado com o passar das gerações.

Entretanto, os períodos autoritários sempre retornam.  Pessoas e grupos se tornam impacientes com a lentidão e os eventuais retrocessos com que a democracia e o entendimento encontram as soluções. Voltam a acreditar que um macho alfa possa trazer respostas mais rápidas. Aí, os homens predominantemente “maus” passam a mandar de novo e a agir com o fígado, ao invés de decidir com o cérebro ou com o coração. E o pior é que os maus líderes de hoje são mais perigosos, podem carregar a maleta com os códigos da bomba.

Não há ser humano completamente bom ou completamente mau. Os melhores avaliam as situações complexas com calma, com profundidade. São mais mansos, negociam, cedem. Os piores são impacientes, acatam soluções simplistas, seguem ideologias, criam mitos.

Acontece que as coisas não são tão simples. Einstein já dizia: devemos resolver os problemas da maneira mais simples possível. Mas não mais do que isto.

 

Ronald Fiuza

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