Jerivá da Hercílio Luz (Zabot)

JERIVÁ DA HERCÍLIO LUZ

Ponte Hercílio Luz. Ponte pênsil. Canivete suíço no mar. Não bem no mar, pois alça-se do continente sobranceira. Dobra-se em olhais.  Parece rasteira. Recurvada, contorce-se, no entanto, resistindo aos vagalhões. Aço do norte. Cabo de guerra. Fez e faz história. Do antes, poucos exaltam. Ora, que ousadia, varar do continente à ilha. Barcaças. A figura do barqueiro em tempos outros, herói das contingências. Hoje, quem se lembra de seus marejares. E vieram as pontes imprimir pressa ao mundo. Adeus às singelas paragens! E há uma infinidade delas: cobertas, descobertas. Altas. Elevadas. E as submersas. Nostalgia de córregos interioranos.

Ponte dos manezinhos, ou por outra dos tripeiros. Manezinhos, pescadores ilhéus. Peixinhos miúdos. Tripeiros, ali no continente. Abatiam o gado. Penduravam tripas nos varais. Tripas e miúdos fumacentos.

Franklin Cascaes, lembra: “Andar no mar, andar a enterrar”. Virgílio Várzea, em Mares e Campos, O mestre das Redes, instiga: – “É o seu Santos. Ahi! vem ele. Está decidida a teima”. Santos sabia das coisas, enfrentara furacões no Caribe. Identificava navios cruzeiros, não importava a nacionalidade.  Em Núpcias Marinhas, exalta o casamento da filha mais nova de Rufino Bastos, a Rosinha, com João Aguiar, um belo rapaz vigoroso, patrão de uma rede do pai.

Em Homens e Algas, Othon D’Eça reporta-se a José Loura. “Vivia para o mar como as velas de pano e os sargaços”. Centenário vai à pesca.  Nunca mais voltou. – “José Loura nasceu no mar… Viveu no mar… Era do mar! – E o mar, senhor, não o quis dar à terra, velha bruxa esfomeada. Ficou com o que era seu”.

Sérgio da Costa Ramos, em Sorrisos Meio Sacanas evoca tempos atuais: – “Hombre libre, toujours tu cherirás la mer”. Homem livre há que ser sempre amigo do mar. Mas o mar já não é como antes.  Camarões, siris, lulas, merlos, robalos e garoupas se foram.  Nem a miudeza: pescadinhas, parus papa-terras, corvinas, tainhas, manjuvas e bagres se apresentam.

Flávio José Cardozo, em Paz em Garopaba, face às rusgas com surfistas, o delegado enaltece a figura do pescador. “Quando rasgam uma veia é o mar que sai. O mar para eles é pai, é mãe, é filho. Ficam tristes quando o mar está triste, alegres quando o mar está alegre.  São mais mar rapazes do que todos nos juntos”.

Eis que a velha ponte recobra o glamour. Lotada de gente, sobra em folguedo. Ao largo, no entanto, a natureza não é mais a mesma. José Loura se foi, e outros Josés não se apresentaram.

Nem o velho jerivá que cresceu à deriva, na cabeceira, e foi encostando, encostando devagarinho nas barrigueiras da ponte lá está para mirá-la.  Éramos amigos. Nos víamos, porém, com ressalvas. Sempre temi pelo seu destino. Soldado solitário rompendo treliças à deriva de Burle Max.

Tantas vezes o vi… Crescia a olhos vistos. Expansivo. Hoje, não mais lá está com seus frutos amarelos. Cachos pendentes. Folhas ao vento. Rendeu-se ao mar. Oh, não o renderam! Puseram-no abaixo sem dó nem piedade, como se põe abaixo velhas árvores amigas.

Ó mar, ó mar!  Por gentileza, traga novos coquinhos, coquinhos amarelos para a nova ponte enfeitar.  Frutos que haverão de germinar. E emergir altaneiros como despontam jerivás que crescem a beira-mar.

 

Joinville, dezembro, 2019

Onévio Zabot

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