Joel Gehlen – apresentação da candidatura
Bem sei que não fiz obra
que resista a um pé de vento
e o pouco talento me cobra
que me digne ao merecimento.
Não faço verso nem prosa
só peco por pensamento.
É longe de onde venho
e essa palavra robusta,
é quase tudo que tenho.
Em tantos anos de busca
o peso dessa única página
só se anota em arroba.
Homem feito na roça
é em mim Mamborê.
O peito se me descaroça
batido de vento e mangual
e à força de tanto açoite
fiz calos de suor e de sal.
À sombra do meu quintal,
dei perguntas a respostas
trotei conversa estradeira
e vi o futuro pelas costas.
Ao tanger livros a gibeira
Desviei meu rio do curso.
O único valor que tenho
não conta por testemunha.
Levo poeira no alvéolo
de respirar tanta estrada
e carrego da terra o vermelho
na sujeira por baixo da unha.
Sem esperar melhor hora
e pelos motivos que tive,
despeço-me por agora.
Não que esperança cultive
em colher maior honra
da pouca cinza que vive.
Almeja-se estar nessa egrégia
pois cai bem a imortalidade.
E sendo descabida a estratégia
de quem se arvora à verdade,
rogo ao pudor que me impeça
de alimentar tamanha Vaidade.
Por via das muitas dúvidas,
ostentar fardão no ataúde,
não me livra da eternidade.
Que ao chegar essa carta
os encontre com saúde
na plena forma da graça.
Esse humilde se despede
com sua pobreza de rima.
Se nada há que o impede,
a esse pedido declina.
Todo aquele que se elege
pra beber o chá das cinco
vai morrer sem resposta
sem padecer da verdade.
E deixar por obra prima
a inscrição sobre a lápide:
aqui jaz, por fim, esquecido
o que fui acima da vontade.