“Livraria 15” (Maria Cristina Dias)
Livraria 15, o caminho da leitura
Local era parada certa para quem procurava livros e revistas em alemão, a partir dos anos 50.
A princípio era a Livraria Kosmos. Depois, o nome mudou para Livraria 15. O perfil acolhedor, porém, continuou o mesmo. A partir dos anos 50 e nas três décadas seguintes, o morador de Joinville sabia, com certeza, onde encontrar um livro em alemão ou português, artigos para presentes ou material de papelaria: a Livraria 15, de Lilli Güntert e Irmgard Leye. E ele nem precisava gastar muito para cultivar o hábito da leitura. A livraria tinha um sistema de aluguel de publicações, o que permitia que mais leitores tivessem acesso a títulos novos e revistas disputadas na época. Um serviço que atendia desde a estudantes, sedentos de cultura e com pouco dinheiro no bolso, até donas de casa, empresários e profissionais das mais diversas áreas.
Como tantos empreendimentos que deixaram saudades na cidade, o início da Livraria 15 foi simples. No final dos anos 40, dona Lilli começou a vender livros e revistas – a maioria em alemão. Ia na casa dos clientes, de bicicleta, levando os títulos. Logo, o negócio prosperou e ela abriu uma pequena livraria em uma sala em sua casa, na rua Frederico Stoll. Era a Livraria Kosmos, em que, já nesta época, iniciou o sistema de empréstimos que marcaria o estabelecimento nas décadas seguintes.
Irmgard Priess Leye tinha cerca de 20 anos, era casada há pouco tempo e se mudou para a rua Frederico Stoll. “Ela era vizinha e eu comecei a ler em alemão. Antes eu não lia em alemão. Ela me emprestava os livros… romances leves”, recorda Frau Leye, como é conhecida, contando como foi o o início da amizade, que depois se transformaria em sociedade.
Um dia, já no final dos anos 50, dona Lilli comentou com a amiga que estava com vontade de comprar a livraria da Frau Hermann, um estabelecimento antigo que começou na rua 9 de Março, na esquina com a Travessa Mato Grosso, e depois se mudou para um prédio na esquina da rua 15 de Novembro com a mesma travessa, em frente à Celesc e bem próximo da tradicional Sociedade Harmonia-Lyra. E perguntou: “Não quer ser minha sócia?”, recorda Frau Leye, mais de meio século depois, comentando que os filhos já estavam maiores e ela tinha vontade de trabalhar fora – e resolveu aceitar.
Funcionárias foram junto para a nova loja
A loja abriu com as novas proprietárias em agosto de 1959. “Compramos a livraria da Frau Hermann meio a meio”, conta Frau Leye. As duas funcionárias, Miriam Stricker e Ursula Stachon foram junto e continuaram a trabalhar na livraria que, nestes primeiros tempos, manteve o nome “Kosmos”. Depois, alertadas que já havia um outro estabelecimento com esse nome, as sócias decidiriam mudar para “Livraria 15”.
A livraria tinha uma vitrine na frente, que era aberta para o interior da loja. Embora seja muito lembrada pelos títulos em alemão, também tinha livros e revistas em português. Lá também era possível encontrar livros escolares, principalmente os adotados pelos colégios Bom Jesus e Santos Anjos. “Os professores faziam o pedido lá. Nós recebíamos uma amostra para o professor. Ele escolhia o que queria usar e nós encomendávamos a quantidade – mas não total, porque nem todos os compravam na nossa loja”, explica. Nas redondezas havia também a Livraria Alemã e a Livraria Record.
Na Livraria 15 funcionava o velho e bom “caderninho”, um sistema de crédito comum no comércio da época. As despesas eram anotadas em um caderno e só eram pagas ao final de um período. “No fim do mês íamos lá e pedíamos a conta. Como comprávamos em secos e molhados”, explica Jutta Hagemann, prima de Irmgard Leyes e frequentadora assídua do estabelecimento, assim como seus pais e irmãos.
Quando a compra era maior, as sócias parcelavam o valor no caderninho, para ser pago em prestações. “Fazíamos em duas ou três vezes”, informa Frau Leye.
Biblioteca de aluguel era uma característica do local
Brinquedos, livros, enfeites importados de Natal. Tudo isso podia ser encontrado na Livraria 15. Mas uma das características do local era a biblioteca de aluguel de livros e revistas. Desde os tempos da Livraria Kosmos, Lilli Güntert e Irmgard Leye mantinham um sistema de locação de livros e revistas que permitia que os clientes ficassem inteirados das últimas novidades sem ter que, necessariamente, comprar os volumes. “Tínhamos uma biblioteca. Era uma parede com livros para alugar”, explica a sócia.
Os lançamentos custavam mais caro. A medida em que o livro deixava de ser novidade, o valor do aluguel era reduzido. Uma lista atrás de cada volume, marcava o nome de quem já havia pego o livro e as datas – o que era um atrativo a mais, pois os clientes olhavam a lista pra saber quem já tinha lido aquele título. “Era escrito à lápis. Depois a gente apagava e vendia”, conta Frau Leye, explicando que muita gente comprava o livro usado, porque era a metade do preço.
Jutta Hagemann lembra que a família era cliente e seu pai sempre pegava romances leves, “água com açúcar”, para ler. As revistas vinham em maços. Jutta explica que o cliente levava um maço com três números de alguma revista e alugava por semana. Títulos não faltavam. A Burda era uma das mais concorridas. As sócias faziam assinatura das revistas em alemão e português, recebiam os exemplares e disponibilizavam para a locação.
Havia ainda catálogos importados de produtos para casa (móveis, tapetas, louças…) ou de moda, que eram usados pelas empresas locais para buscar inspiração para seus próprios produtos. “As firmas compravam”, afirma Frau Leyer, revelando que também costumava comprar blusas e até vestidos por estes catálogos.
Na década de 80, em meio a uma inflação fora de controle e ao aumento da concorrência tanto para a livraria, quanto para a papelaria e para os demais artigos, as duas sócias decidiram encerrar as atividades. Em 1986, a Livraria 15 fechou definitivamente. A loja era alugada, e o ponto foi devolvido. Lilli abriu uma pequena loja de presentes, também na rua 15, ao lado da livraria. E Irmgard Leyer, às vésperas de se aposentar, abriu uma papelaria em casa, na rua Frederico Stoll, onde tudo havia começado quarenta anos antes.
Lembranças de anos trabalhando no local
Miriam Stricker tinha 17 anos quando começou a trabalhar na livraria de Maria Hermann (conhecida como Mia) e de Frau Gerken, em 1957. Quando Lilli Güntert e Irmgard Leye adquiriram o estabelecimento, ela continuou a trabalhar no local – e lá ficou até 1963, às vésperas de seu casamento. Sua carteira de trabalho mostra bem o dia da criação oficial da Livraria Kosmos (e depois Livraria 15): 11 de agosto de 1959.
Ela conta que conseguiu o emprego porque falava alemão – uma qualidade importante para atender a clientela, especialmente os mais antigos. A livraria funcionava no térreo e Frau Hermann morava no andar de cima, onde também havia uma área de depósito. Mais tarde, Lilli Güntert também residiu no local.
O expediente começava às 8 horas e ia até o meio-dia. A loja fechava para o almoço e as atividades retornavam às 14h e seguiam até às 18h. Aos sábados, as portas abriam mais cedo: 7h30. E fechavam às 13h30. No Natal, porém, a rotina mudava e às vezes a livraria ficava aberta até às 22 horas. Entre os muitos artigos, lá podiam ser encontrados enfeites importados de Natal, que vinham em poucas unidades e eram disputados.
Miriam lembra ainda das delicadezas do dia a dia. Como os sonhos que a mãe de Frau Leyer, Clara Priess, levava para a filha e as funcionárias durante o expediente: “Eu nunca comi sonhos tao gostosos como aqueles”, recorda.
Clientes lembram com saudades
Apaixonada pela leitura desde pequena, Romy Buhnemann Dunzinger “descobriu” a Livraria 15 em 1979, quando sua família se mudou para Joinville. “Chegando aqui, vinda de São Paulo com suas mil e uma livrarias (meio exagerado, mas…), gostei de ‘ver’ que havia uma livraria em Joinville onde eu poderia encontrar livros em alemão”, conta ela, que não resiste à tentação de entrar em uma livraria.
Como estudava até tarde e morava longe, no Quiriri, geralmente ia aos sábados pegar livros e revistas emprestados. Como tantos outros leitores, clientes da Livraria 15, também adorava dar uma espiada na lista de nomes de pessoas que já haviam lido o volume que estava levando. “Vez ou outra levava para casa (também emprestadas) revistas alemãs como a Stern, Bunte, Brigitte e romances curtos (em forma de revistas pequenas). O empréstimo, é claro, tinha um pequeno custo e a dona Lilli (ou a Frau Leye) costumava anotar o nome do “emprestador”. Não deixava de ser interessante ver quem também havia lido aquele livro”, recorda.
Mas como nem só de palavras vivem os leitores, Romy também lembra com saudades dos marzipãs que eram encontrados na Livraria 15, principalmente na época de Natal e Páscoa. “Costumava comprar deliciosos marzipãs, feitos pela irmã da dona Jutta Hagemann, a Frau Lepper”, recorda ela que foi cliente do local até ele fechar, em 1986.
Obs.: Este texto foi publicado originalmente no jornal Notícias do Dia/Joinville