Loucuras incertas do amor (David Gonçalves)
LOUCURAS INCERTAS DO AMOR
David Gonçalves
Uma reunião. Improviso. Sábado à tarde. Nuvens pesadas cobriam o céu. Através da estreita janela, via-se a tormenta se formando. A nora e o genro ficaram na sala. Os netinhos brincavam no gramado. A filha e o filho, quarentões, puxaram o pai para os fundos, no quiosque. Sérios. Tempestade a desabar – Deus, algo acontecera.
– Pai, que loucura! Você passou dos 70. Esta mulher… Está na hora de criar juízo.
O velho sacudiu as mãos finas e grandes, desolado.
– Você não tem jeito – disse a filha, advogada, com pretensões à juíza.
– Está cego, por acaso? Ela é interesseira. Mulher-dólar. Sabe o que é isso? Quer sua aposentadoria.
O velho estava calado. Tinha lágrimas? Os olhos verdes piscavam, inquietos, úmidos.
– Acabe com isso. O bairro fala, os parentes falam, os amigos falam. Estamos envergonhados.
O velho tinha lagrimas. Dizer o quê. Anos vivendo como figueira seca. Enfim conhecera o paraíso. Sentia a alegria remexendo as vísceras. Isto causava inveja? Por final, disse:
– O amor é maior que a criatura.
Era caso perdido. Havia encontrado o chinelo certo?
Em seguida, entrou a jovem senhora, casada, requintada, cansada de inutilidades, muito linda, 15 anos mais nova. Parecia mais jovem do que a filha advogada. Transpirava vida incontida.
– Ah meu amor. Eu te amo. Deixei tudo por você. Não se aborreça. O tempo dirá. O que dizem nada importa.
Tinha deixado mesmo. Passara por casamentos ruins. Não aceitara a submissão. Abandonara os maridos mandões. Encontrara, enfim, o porto-seguro. O amor tinha mel de abelha jatai?
–Você não fará com nosso pai o que as mulheres acostumam fazer – disse o filho, palavras duras, olhar furioso.
Ela se achegou ao velho, beijou-o, afagou seus cabelos brancos.
– Sim, não farei com ele o que as megeras fazem. Eu darei todo o amor de minha vida. Eu também estou cansada de receber migalhas dos homens.
Os filhos estavam perplexos. Ninguém sabia o que dizer. Os netinhos brincavam no gramado.