Maria Cristina Dias – Discurso de posse

Boa noite

Eu gostaria de agradecer  a presença de cada um de vocês aqui e aos integrantes dessa academia por esta acolhida tão generosa.

Me sinto honrada por fazer parte desta casa, casa de amigos, como diz o dr Adauto, que eu prezo tanto, e que tenho a satisfação de acompanhar desde o seu ressurgimento, em 2013.

Tenho a missão de apresentar aqui duas personalidades ímpares da cultura de Joinville, ambos jornalistas, como eu, ambos atuantes em seu tempo, cada um a sua maneira: Moacir Gomes de Oliveira, um dos 14 fundadores da AJL e primeiro titular desta cadeira que hoje assumo, e Crispim Mira, patrono da cadeira.

Moacir Gomes de Oliveira nasceu em 1902, aqui em Joinville. Era filho de Procópio Gomes de Oliveira,  político e empresário, prefeito de Joinville por duas vezes, deputado estadual e uma das personalidades mais importantes na construção da cidade, nas primeiras décadas do século 20.

Moacir era farmacêutico de formação, mas vivia em uma família de intelectuais, pessoas das mais variadas formações, mas que também se dedicavam a pensar a sociedade em que viviam e escrever nos jornais da época. Assim, era natural que ele também se dedicasse, de alguma forma, às letras e ao jornalismo.

Ele participou da publicação Cock-tail, em 1926, e foi um dos diretores do Correio-Jornal a partir de 1933, colaborando assiduamente com artigos. Atuou na revisão do livro “Casa Feliz”, que  trata da colonização açoriana em Santa Catarina, de autoria de seu irmão, o também Acadêmico João Acácio Gomes de Oliveira. Faleceu em 1981, na Villa Maria, a casa construída por seu pai, Procópio Gomes, e que ainda hoje se destaca na rua Procópio Gomes, em frente ao Senai. Estes dados foram extraídos da pesquisa realizada pelo acadêmico Paulo Roberto da Silva para esta academia.

Na minha caminhada em busca das memórias da cidade, nos 22 anos que aqui resido, muitas vezes me deparei com o sobrenome Gomes de Oliveira e cheguei a escrever a história do casarão Villa Maria em meu livro “Se essas paredes falassem”.

Mas o nome de Moacyr Gomes de Oliveira se apresentou para mim de forma inesquecível, emocionada. Isso ocorreu em uma entrevista com o saudoso Ozório Ferreira, há alguns anos. Menino pobre, filho de um pintor analfabeto e rude, Ozório tinha seus nove ou dez anos em meados dos anos 1930, ia mal na escola e não sabia bem porque, ou para que, estudava. Vivia em um cortiço na rua Abdon Baptista e fazia pequenos trabalhos para ganhar uns trocados que ajudassem a família.

Um dia, por acaso, seu destino se cruzou com o de Moacyr Gomes de Oliveira, que morava próximo a sua casa. O farmacêutico, escritor e jornalista olhou para o menino e o enxergou como ninguém até então o havia enxergado. Perguntou como ele ia na escola, se ofereceu para ajudá-lo nos estudos, nas lições e, principalmente, abriu as portas de sua enorme biblioteca – um mundo novo para aquele menino que não tinha livros em casa. Emprestou e deu livros. Conversou, estimulou, abriu horizontes. Despertou no menino a sede de conhecimento que fez com que ele mudasse um destino que, como o de tantos garotos na sua situação, parecia fadado à invisibilidade.

Ozório tomou gosto pelos estudos. Foi funcionário público federal, maçom e um incansável pesquisador dos mais variados temas. Escreveu livros sobre memória da cidade e filosofia. E nunca esqueceu o gesto daquele vizinho que morava em uma casa tão grande, tão bonita, em um mundo que parecia tão inacessível.

O relato da atitude de Moacyr Gomes de Oliveira me emociona até hoje, passados vários anos daquela entrevista. A capacidade de olhar para o outro e ver além do que se apresenta me fascina e inspira. Para mim, é esse olhar que deveria ser exercitado, cultivado, porque ele é uma poderosa ferramenta de transformação. Ele traz em si a possibilidade de um mundo melhor para se viver.

Bem, Moacyr Gomes de Oliveira foi um dos 14 fundadores da AJL e tomou posse aqui, na Harmonia-Lyra, em 1969. Ele não chegou a escolher o patrono de sua cadeira, então eu o faço hoje. O patrono escolhido foi Crispim Mira, também jornalista, atuante em Joinville e em Florianópolis.

Hoje nós observamos a Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigando e revelando as relações promíscuas entre o poder econômico e o poder público. Mas essas relações estão longe de ser uma novidade. O uso indevido de recursos públicos, as fraudes, a corrupção de um modo geral são práticas antigas e que já figuravam nas páginas dos jornais há tempos. Em Santa Catarina, um dos jornalistas que se destacou na apuração e nas denúncias de corrupção e uso indevido de recursos públicos foi Crispim Mira. E em função desse exercício combativo, ele foi assassinado em 1927, em Florianópolis. Costumava dizer que “minha arma é a pena” – e isso traduz a sua atuação.

Hoje, Crispim Mira é lembrado como exemplo na luta pela moralidade na área pública e empresta seu nome a uma medalha instituída pela  Assembleia Legislativa de Santa Catarina a jornalistas que se destacam nos meios de comunicação do Estado.

Crispim Mira nasceu em Joinville e também fazia parte da família Gomes de Oliveira – na verdade uma família de origem lusa que já estava radicada nessa região desde o final do século 17. A habilidade no uso das palavras e a personalidade inquieta e polêmica o levaram para o Direito e o Jornalismo.  Teve 14 livros publicados e  ocupou cadeira número 5 da Academia Catarinense de Letras.

Ele começou a atuar como jornalista em Joinville,  no final do século 19, na “Gazeta de Joinville”. Depois rumou para Florianópolis, onde construiu a maior parte de sua carreira. Primeiro na “Gazeta Catarinense”, como chefe de redação. E também em seu próprio jornal, a “Folha do Comércio”, de 1901 a 1916, onde já mostrava a tendência de escrever sobre temas polêmicos, como a questão de Limites com o Paraná, por exemplo. Já em 1912 defendia a ideia de um acordo direto entre os dois Estados – uma ideia repudiada na época. O acordo só foi firmado em 1916.

Mais tarde mudou-se para o Rio de Janeiro, onde continuou a defender a Questão de Limites, contribuindo para jornais locais como “Cidade do Rio” (de José do Patrocínio), Correio da Manhã, Jornal do Commércio, entre outros.

Em novembro de 1926, Crispim Mira fundava em Florianópolis um novo periódico, o “Folha Nova”, que era marcado por artigos incisivos e denúncias de corrupção. Os embates acabaram levando a seu assassinato, a tiros, em março de 1927.

Para finalizar, só tenho a dizer que tenho muito orgulho de ocupar esta cadeira que lembra estes dois importantes jornalistas de Joinville e Santa Catarina. E, mais uma vez, agradecer a todos vocês por todo esse carinho.

Muito obrigada!

 

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