Mateus 27, 46 (Salustiano)


MATEUS 27, 46.

 

Na tarde que caía

A tinto da face reluzia

O sangue que escorria,

A vista que plúmbea ardia

A avistar a covardia

Que ora lhe submetia.

 

A dor que o acometia,

Chegando plena e tardia

No temor que o sucumbia.

A cabeça que pendia

Não mais conseguia

Ver a multidão que assistia.

 

E entre as vaias e a zombaria,

O fardo que lhe prostraria

No preceito que se cumpria.

Na fronte que cravaria

O espinho que entraria

Fundo na alma sempre pia.

 

A escritura que o seduzia,

A cruz que carregaria.

Os pecados, sempre dizia,

Os carregará com alegria,

Mas agora ao fim do dia:

A dor, será que suportaria?

 

As mãos que Pilatos lavaria

De nada mais adiantaria,

Pois o sangue ali continuaria.

O milagre que não acontecia,

O Deus que não aparecia

Para suster a profecia.

 

O cálice que se manteria,

O suor que se transformaria,

No sangue que o consumia.

E o medo que lhe sucumbia

O envolve e tênue o acaricia

Qual oráculo que pressagia.

 

No rastro que ao monte volvia,

Nos apupos a multidão ensandecia

No crescendo o turbilhão se revolvia.

Os cravos nas mãos se cravaria

Mas a dúvida ainda persistia:

Cadê o Deus que o salvaria?

 

O terror na face se estamparia,

O tremor que o corpo lhe tomaria,

As últimas forças lhe minaria.

E do sangue que agora escorria

Na garganta um grito ecoaria

E em toda a terra reverberaria:

 

Eli, Eli, lama sabactani!

 

 

Salustiano Souza

 

 

 

 

 

 

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