Medo de morrer

Algumas pessoas estão tatuando no peito a mensagem “não ressuscitar”. Os médicos que atendem em emergência discutem agora se é ético obedecer a essa determinação do tatuado inconsciente.

Gostamos de viver. Queremos viver. Gostamos tanto da vida que geralmente a consideramos o nosso bem maior. Extrapolamos então esse sentimento e passamos a considerar a vida como o bem maior “para todos”. Daí vem a reprovação de tudo que ameace a vida, como guerra, assalto, violência. Vem também a condenação de tudo que a interrompa, como suicídio, eutanásia, pena de morte ou aborto. Está cristalizado nas leis civis e nas religiosas: é crime e é pecado.

Eu tive um colega de faculdade que já havia definido seu epitáfio: “Aqui jaz, aliás muito a contragosto, Rui”.

Viver é realmente muito bom, mas precisamos conviver melhor com a realidade da morte, que está aí, sempre rondando. A maioria de nós já conviveu com a perda de alguém querido. É mesmo muito dolorido. A noção de “nunca mais a veremos” é difícil de assimilar. Acontece que a morte virá, já provou isso! Poderíamos elaborar melhor essa relação.

Para começar, o medo da morte parece ser pior do que a própria. O filósofo Epicuro dizia que não precisamos temer a morte, porque jamais nos encontramos com ela: “enquanto vivermos, ela não está; quando ela chega, nós é que não estamos mais”. Morrer, em si, não deve ser tão ruim assim. Simplesmente apaga a luz. É como um sono sem sonho. E pronto. É bem possível que o instante que antecede à morte seja mesmo angustiante, com uma dor aqui ou uma falta de ar ali, mas esse momento crítico costuma ser rápido. Vem, piora e já acaba. A partir daí, perdemos a noção, terminam prazeres e dores. Se há vida após a morte, é outra história. Aqui neste mundo, acabou o espetáculo.

Será que viver é o mais importante, a qualquer custo? Será que a vida não carece de carregar um mínimo de qualidade ou de dignidade para valer a pena ser vivida?

Em algum momento a sociedade discutirá sem hipocrisia a qualidade da vida de velhinhos com demência avançada, de pacientes em estado vegetativo permanente, de câncer avançado ou mesmo de pessoas que carregam um estado de infelicidade prolongado, com muitas tentativas de suicídio, daqueles que não melhoram com nada. Querem morrer, persistentemente. Vale continuar assim? Eu não falo de impulsos suicidas de pessoas momentaneamente perturbadas, que merecem toda nossa atenção e apoio. Podem sair e se recuperar. Falo dos irrecuperáveis. Eles existem e estão aí!

Em algum momento a sociedade concluirá com Fernando Pessoa que “navegar é preciso, viver não é preciso”. Deve ser encarada por todos a possibilidade de morte digna. Não falo apenas da regra coletiva, das leis. Falo também da possibilidade individual, da aceitação da “minha morte”.

O filósofo Montaigne já considerava que filosofar é aprender a morrer. Meditar sobre a morte, diz ele, é meditar sobre a liberdade. Devemos aprender que essa não é uma reflexão baixo astral. É simplesmente pacificadora.

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