Minha pena é minha arma – Crispim Mira (Cristina)
“Minha pena é minha arma”
Jornalista joinvilense Crispim Mira foi assassinado na Capital na década de 1920 em função de denúncias de uso ilícito de recursos públicos
Maria Cristina Dias
Nepotismo, fraude e uso indevido dos recursos públicos não são novidade na história do Brasil. E nem as denúncias da imprensa revelando irregularidades. Em Santa Catarina, um caso ocorrido há quase um século 85 anos se tornou símbolo desta realidade. Na década de 20 do século passado, o jornalista joinvilense Crispim Mira exercitava a polêmica e a liberdade de expressão e foi assassinado em Florianópolis em função de denúncias de corrupção e uso indevido de recursos públicos. Hoje Mira é lembrado como exemplo na luta pela moralidade na área pública e empresta seu nome a uma medalha instituída pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina a jornalistas que se destacam nos meios de comunicação do Estado. “Ele é em Santa Catarina um paradigma da moralidade. Foi o que defendeu durante toda a vida”, defende a sobrinha-neta, Marina Moreira Braga.
Filho de uma antiga família de origem lusa na Colônia Dona Francisca, Crispim Mira nasceu em Joinville, em setembro de 1880. Era filho do comerciante Crispim Antônio de Oliveira Mira e de Rosa Amália Gomes de Oliveira Mira, segunda filha de João Gomes de Oliveira, produtor rural com vasta propriedade em local que hoje fica às margens da SC-301, em Pirabeiraba.
A habilidade no uso das palavras e a personalidade inquieta e polêmica o levaram para o Direito e o Jornalismo . Teve 14 livros publicados e ocupou cadeira número 5 da Academia Catarinense de Letras. Atualmente também é patrono da cadeira nº 10 da Academia Joinvilense de Letras. Embora tenha chegado a ingressar no curso de Ciências Jurídicas, no Rio de Janeiro, não chegou a se formar. Mas por toda a vida exerceu a função de advogado como provisionado.
Mas foi como jornalista que entrou para a história. O começo foi em Joinville, no final do século 19, quando escreveu para a “Gazeta de Joinville”, o periódico de Eduardo Schwartz. Depois rumou para Florianópolis, onde construiu a maior parte de sua carreira. Primeiro na “Gazeta Catarinense”, como chefe de redação. E também em seu próprio jornal, a “Folha do Comércio”, de 1901 a 1916, onde já mostrava a tendência de escrever sobre temas polêmicos: “Se empenhou vivamente na defesa dos interesses do Estado na Questão dos Limites com o Paraná’, escreve o advogado, jornalista e historiador Lauro Junkes, no artigo “A verdade custou a morte ao jornalista Crispim Mira”, publicado em setembro de 1980, no jornal “O Estado”, de Florianópolis. “Assumiu esta questão como uma de suas principais bandeiras de lutas. Já em 1912 ele lançara a ideia de um acordo direto entre os dois Estados”, afirmou Junkes, lembrando que esta ideia foi repudiada na época. Mira escreveu sobre as tratativas até 1916, quando foi firmado o acordo entre SC e Paraná e depois reuniu as informações no livro “Confraternização Republicana”.
Mais tarde mudou-se para o Rio de Janeiro, onde continuou a defender a Questão de Limites, contribuindo para jornais locais como a “Cidade do Rio” (de José do Patrocínio), Correio da Manhã, Jornal do Commércio, entre outros. Entre 1922 e 1926 voltou a morar em Joinville, onde atuou como advogado. Mas sempre escrevendo na imprensa – especialmente a de oposição.
“Folha Nova” – o início do fim
Em novembro de 1926, Crispim Mira fundava em Florianópolis um novo periódico, o “Folha Nova”. E em dezembro daquele ano já começava a publicar os artigos incisivos e entrevistas que questionavam as ações do departamento de Obras de Melhoramento dos Portos, uma repartição pública federal responsável pela manutenção dos portos e administrada na época por Tito Lopez – um tema que ele já abordava há anos em suas publicações. O foco era o porto de Florianópolis.
No início de 1927, as denúncias ficaram mais diretas, com acusações de nepotismo e uso indevido dos recursos públicos. “Ele se envolvia. E foi morto em função disso”, explica Marina Braga, contando que Mira chegou a ser afrontado dentro da redação pelo responsável pelo departamento, que teria exigido uma retratação ou um duelo. Foi aí que o jornalista teria proferido uma das frases pelas quais é hoje lembrado: “Minha arma é a pena”.
Desfecho trágico
A situação chegou a um desfecho trágico em fevereiro de 1927. “Em 17 de fevereiro, Aécio Lopes, filho de Tito Lopez e também funcionário da Comissão Melhoramentos dos Portos, acompanhado de outras três pessoas (…) dirige-se ao jornal portando chicote e armas. Após agressões a chicote ao jornalista e ao seu filho menor, ferem a bala Crispim Mira”, escreve o jornalista, advogado e escrito Francisco José Pereira, autor do livro “As duas mortes de Crispim Mira” em artigo publicado no jornal A Notícia/SC em 2002.
A repercussão do atentado foi grande na imprensa e na sociedade. Ferido, com uma bala alojada na região da garganta, Crispim Mira foi levado para o Hospital de Caridade, em Florianópolis, onde faleceu em 5 de março, em consequência de uma infecção generalizada provocada pelo ferimento. “O doutor Plácido Gomes de Oliveira se deslocou até Florianópolis para tentar salvá-lo”, conta Marina, explicando que o que se viu depois da morte do jornalista foi uma enorme mobilização popular. Em seu artigo no jornal “O Estado”, Lauro Junkes relata que naquele dia o comércio fechou mais cedo as portas e os cinemas não funcionaram. “Massa popular de milhares de pessoas compareceu para visitação. (…) Cerca de 10 mil pessoas e 265 autos (na época!) integraram o cortejo fúnebre, numa comovente consagração popular”, escreveu.
Depois da morte de Crispim Mira, o jornal “Folha Nova” ainda circulou até 1930 – a redação foi assumida pelo jornalista Petrarcha Callado. E, após rumoroso processo criminal, os acusados de terem matado o jornalista foram absolvidos.
Alguns livros de Crispim Mira:
- “Município de Joinville” (1907)
- “Os alemães no Brasil” (1916)
- “Confraternização Republicana” (1916)
- “Terra catarinense” (1920),
- “Situação financeira e política de Santa Catarina(1924)
Observação: Texto original publicado no jornal Notícias do Dia/Joinville em 2012. Atualizado em abril de 2021