Monsenhor Juca (Marinaldo)

CONFISSÃO

Texto-presente para Monsenhor Juca (Monsenhor José)

 

Deus, o senhor me perdoa? Vou confessar. Eu peguei o vestido preto, do luto da minha mãe, pra poder usar como batina, porque a coisa mais bonita do mundo pra mim, é a hora em que o padre levanta a mão pra cima e a sua alma se acende. Eu só tenho poucos anos. Eu acho que o que sinto é uma alegria bem pura ao querer ser igual ao Monsenhor Scarzello, meu padrinho; não é inveja! Mas um dia que quero ser igual ele.

Deus, esse altar embaixo dessas árvores não é a coisa mais bonita do mundo? As raízes, as folhas, essa relva, os enigmas da natureza, o porquê de existir esse mosquitinho que pousa sobre as coisas, tudo não converge para o grande mistério que é o Senhor? Esse mistério revelado em forma de uma crença, quase mágica, de eu estar embaixo dessas árvores esperando alguns fiéis do mesmo tamanho e idade que eu?

Deus, o padre, na igreja, quando entrega a hóstia, ele diz corpo de Cristo. Eu prometo que não vou tão longe quando entregar as bolachinhas que farão papel de pão sagrado. Talvez eu não diga nada. Mas vou fechar os olhos, posso? Fecharei os olhos e pensarei nas promessas e tenho certeza que o senhor soprará, o Senhor Vento, o Senhor Tempo, o Senhor natural, o Senhor temporal de aromas que se infiltra nas minhas palavras e move lentamente meus lábios, o Senhor que vira Verbo, que vira Poesia, que se comunica comigo numa linguagem que só as crianças, talvez, entendam.

Deus, meus amigos fazem parte do meu povo. Brincando em ser fiéis ele me fidelizam. Acho engraçado quando um deles tenta rir. A gente, criança, sempre encontra graça quando não se pode fazer graça. Eu posso dizer que encontro Graça nisso. O Senhor sabe que eu, fazendo isso, fico pensando que estou ajudando no seu rebanho?… Engraçado. Falei rebanho e passou uma fileira de cabritos ali perto da colina. Aqui em Santa Luzia, nessa Araquari de Deus, ops, do Senhor, a paisagem sempre me lembra um presépio. Ou seria um presente? …

… Também vou confessar. Já me confessei contigo, padre. Naquele dia eu não sabia dessas histórias todas, de árvores feitas em altar, de crianças fiéis, de bolachas sagradas, de vestidos-batina. Naquele dia eu estava num momento torpe, eu havia sonhado com meu pai, que já tinha morrido há muitos anos. Naquele dia, há uns vinte anos atrás, meu pai veio no meu sonho e disse que viria me buscar. Eu morri de medo. Fazia tempo que não frequentava a igreja mas passei em frente, vi a cruz, olhei pra cima, o céu azul, eu já na esquina, e foi aí que entrei. Não havia pensamento, só impulso. Havia uma fila de gente, era dia dos pecadores? Eu não sabia. Também não sabia que quem me aconselharia seria o senhor, Padre Juca. Eu não sabia que se chamava José Chafi Francisco, que tinha uma irmã chamada Zulma, que sua mãe era Elza, e sua tia Erondina. Não sabia que seu pai tinha morrido com o senhor ainda novinho, que sua mãe havia se casado mais tarde com um homem confuso.

Enquanto esperava no banco eu não sabia que o senhor era Franciscano, que era devoto do Bom Jesus de Iguape, e que já tinha viajado pra tantos lugares. Eu não sabia que tinha estudado no colégio Bom Jesus, e que sua diretora tinha sido o nome da minha escola: Ana Maria Harger. Ao esperar pra fazer minha confissão e relatar o medo do fantasma do meu pai, sequer imaginava que o senhor tinha chegado em Joinville em 1949 e depois de 18 anos virado padre. Eu só soube que a minha saída da igreja naquele dia tinha me acalmado depois das coisas que o senhor me disse. Eu vi seus olhos. A confissão foi num banco, não no confessionário. Era como se eu estivesse na praça me abrindo com um amigo. A sua voz foi complacente. Eu falei do meu pai, dos meus erros, dos caminhos que vinha experimentando. Foi aí que vi a placidez do seu olhar. Eu nunca imaginaria, naquele dia, que um dia, eu o encontraria, ao meu lado, no dia da nossa posse como acadêmicos da AJL. Vou confessar padre. Eu me senti um menino, rezando, embaixo de uma árvore!

 

Ac. Monsenhor José

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