No tempo do mangual (Zabot)

NO TEMPO DO MANGUAL

E lá sabíamos do chaco paraguaio. Ali armava-se o temporal, vim a saber disso bem mais tarde. Centro de baixa pressão à oeste, ribanceiras do rio Paraná. Mas, nem precisava saber, pois os efeitos da trovoada assombravam. Do nada nuvens amontoavam-se no céu. Verão. Final de tarde. O ronco do trovão prometia.  Todos por ali sabiam? Vinha a tempestade. Certa feita embolou o casebre do Xandú. À noite sucediam-se clarões, imensa faina nos céus.

E, naquela tarde, papai tinha pressa. Bater feijão antes que a trovoada desse as caras. Safra boa, safra boa mesmo era safra colhida. Feijão no rancho debaixo do telhado. Daí a pressa, mangual correndo solto.

O mangual no caso eram duas varas de madeira amarradas ao meio, no centro. Tiras de couro ou corda a sustenta-las.

No solo a lona, e sobre ela baraços de feijão amontoados. Vagens maduras. Lindaças. A safra fora boa. Chuva e sol na hora certa. E dê-lhe cacetada. Mesmo menino, não fugíamos da peleja. De cada lado da lona um batedor. Batida certa, na sequência. Grãos saltando. Vencida a primeira rodada, virava-se o monte, e repetia-se a contenda. Em seguida, jogando-o ao alto, contra o vento, peneirava-se. Feijão de um lado, palha do outro. Feijão limpinho, carioquinha. Mão cheia. E, no meio, outros grãos avermelhados, rajados. Capricho da natureza.

Papai tinha pressa, percebia o avanço das nuvens enovelando-se no céu.

E, nisso um Jeep se chega. Estaciona à frente, no carreador.  Desce um gajo, sujeito bem apessoado. Larga um buenas tarde amistoso.

Até aí, tudo bem. Papai, educadamente, suspende a refrega. Atende o estranho. Mascate no trecho. Vinha à venda de calçado. Papai, informa: – Desculpe amigo, mas não posso atendê-lo nesse momento.

– Veja, temos um montão de feijão para bater, e temos que fazê-lo antes que baixe a trovoada. E a trovoada prometia. Nisso, um imenso clarão rasgou o céu. Relâmpago varrendo nuvens… em seguida o disparo. Prenúncio macabro.

O mangual corria solto, bate aqui, bate ali. E o mascate por ali, rodando. Insiste, apresenta sapatos, sandálias. Chinelos.

– Papai contrariado, insiste: – Amigo, não é hora de negócios. Temos que salvar o feijão. O sujeito não capta o espírito da coisa. Debochado, insiste:

Amigo, já que não queres calçados para os adultos, que tal para os cachorros?! Dois cães descansavam ao lado, debaixo de um pé de café. Língua de fora. Ressabiados. Daí a insídia.

Diante da provocação, papai que era um homem pacífico, entorna o caldo.

– Fora daqui bandido, brada furioso! Mangual à mão, parte para cima do gajo. Arrepiamos, nada tínhamos a ver com aquilo, e nem conhecíamos o ímpeto irreverente de papai, homem pacífico que era.

O mascate percebe que o mar não estava para peixe. Em tempo, deita o cabelo. Acelera o Jeep, sai cavoucando, antes que o mangual ao invés de bater feijão lhe estourasse as ventas.

Moral da história:  – Não se brinca em tempo de tempestade.

 

Joinville, 14 de abril de 2020

 

Onévio Zabot

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