O canto de Mazilda

Era comum Mazilda receber convites para festas. Porque seu jeito espontâneo e seu riso fácil a tornavam pessoa agradável, Porque a afinação de sua voz, aliada ao dedilhado de um amigo no violão, fazia dos encontros momentos de deleite musical. Ia de Dolores Duran a Ângela Maria, cheia de estilo próprio, acrescentando falsetes que, de leve, lembravam o timbre de Janis Joplin. Seus quinze anos permitiam o sonho e a fantasia. Quando não estava em festas, cantarolava lavando louça, ora ostentando o frasco de detergente como microfone, ora oferecendo o olhar e a música ao vaso de arnica do mato colocado à janela.

Das festas entre amigos, passou a frequentar e animar bailes. Não muitos, porque o pai dizia que não era coisa de moça direita. Bem, ele não era tão sutil. Não foram poucas as vezes que Mazilda ouviu gritos e tremeu: “Sua cadelinha!”, “Isso é coisa de vagabunda!”. Nos dias de bebedeira era pior. Os bailes viraram recordação e mesmo a cantoria na pia diminuiu. Detergente deixou de ser microfone e a arnica do mato sofria silêncios. O tempo passou e a menina cresceu. A vida caminhou ordinária, os sonhos de palco deram lugar aos sonhos de altar.

Casou no civil.

Foi esposa, foi mãe, foi porto seguro.

Certo dia, entre um prato e uma xícara, voltou a cantar. Passarinho solto, cantava a programação do rádio, em dueto com os mais renomados cantores da época. Mas o marido também não apreciava a música que exalava de Mazilda. Sua maneira de demonstrar era o escárnio. Ela silenciou mais uma vez.

Aos 73 anos, Mazilda descobriu que não precisa de autorização de ninguém, voltou a soltar a voz. Do primeiro andar de onde mora, sua voz ecoou rua afora. O repertório era variado e infinito.

Ontem, próxima à janela, percebeu que na rua havia um casal, recostado no carro, observando sua cantoria. Após uma breve hesitação, retomou o canto, soltou a voz e viu que o casal sorria num terno abraço. Voltou a ser a Mazilda dos palcos, dos bailes, dos sonhos. Aos 73 anos.

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