O desafio do analfabetismo funcional

O analfabetismo no Brasil decresce numericamente de forma lenta, embora o faça mais rapidamente do ponto de vista percentual. Isto é, enquanto o número total de analfabetos permanece estacionado há muitos anos no entorno de 14 – 12 milhões de pessoas, o crescimento da população o torna percentualmente cada vez menor. Hoje somos 208 milhões de habitantes (contra 121 milhões em 1980), o que torna nosso índice de analfabetismo representável pelo valor de 6%. Em 2003 ele era de 12%. O que explica isso?

Em primeiro lugar o fato que a maioria da população analfabeta tem mais de 40 anos, ou seja, são as crianças que nunca foram à escola ou a abandonaram nos primeiros anos. Um número insignificante desses adultos dispõe-se hoje a ser alfabetizado, depois que o grande trabalho do MOBRAL acabou.

Em segundo lugar, podemos contar com o maior investimento dos governos em educação a partir de 2004, que foi aumentando até chegar ao atual patamar de 5,7% do PIB (em Taiwan ele é de 18,5% do PIB!)

Este valor de 5,7% parece razoável, se o compararmos com os de países mais desenvolvidos (só que estes JÁ estão desenvolvidos, podem investir menos!), a média europeia sendo de 5,5% do PIB também. Contudo, aí surge um problema maior para nós: o tamanho da população! Temos que distribuir nossos 6% entre muitos milhões de estudantes a mais. E aí o investimento per capita cai exponencialmente.  Entre os países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) o Brasil chega a ficar às vezes num pouco confortável antepenúltimo lugar.

O Brasil investe muito mal. Investe priorizando o Ensino Superior (17 mil dólares por aluno), em detrimento do Ensino Básico (3,8 mil dólares por aluno). Exatamente o contrário do que fazem os Tigres Asiáticos (Singapura, Coreia do Sul, Taiwan), a China e os avançadíssimos países nórdicos (Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamarca). A Coreia do Sul, por exemplo, investe 9,5 mil dólares por aluno do Básico e 14 mil por aluno do Superior. Uma proporção de 1,5 para 1 – enquanto que no Brasil essa proporção é de 4,5 para 1.

Singapura tinha altos níveis de analfabetismo em 1960. Hoje, junto com Coreia do Sul e Finlândia, é o país com notas mais altas no ranking da OCDE. Já nos testes PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o Brasil tem ficado em 68º lugar entre os 76 países avaliados.

O que mudou tudo para Singapura e Coreia do Sul (Coreia que, em 1980, tinha um PIB menor que o do Brasil e hoje o tem 3 vezes maior que o nosso) foi o alto investimento em educação infantil. Isso tirou-os da situação de países de Terceiro Mundo e os colocou no Primeiro em menos de 30 anos. A Coreia só investiu em ensino Superior depois que conseguiu, com maciços investimentos, a universalização do ensino básico, com escolas gratuitas em dois turnos plenos e professores muito bem pagos.

Como consequência, o número de estudantes nas universidades aumentou 17 vezes nesses 30 anos. Não porque, de repente, foram abertas vagas de ensino superior maciçamente. Mas porque aumentou 17 vezes o número de estudantes que conseguiu concluir o ensino básico e bateu à porta das universidades. Essa foi a grande revolução!

“Quase não temos recursos materiais, nossos recursos são humanos. É neles que temos que investir”, dizem as autoridades coreanas. O país produz hoje 1300 patentes de invenção de alto valor estratégico por ano. E tem gigantes como Hyundai e Kia Motors, LG e Samsung (esta gigante, quando fundada em 1938, era só uma empresa que trabalhava com peixe seco).

A Coreia é um país pequeno (100 km2), do tamanho de Santa Catarina (95 km2). Mas tem, nesse território, 52 milhões de habitantes, exatamente um quarto da população brasileira atual.

A reformulação do ensino foi tão completa que hoje há nesses países asiáticos, assim como na Finlândia, uma enorme procura por vagas nas universidades para a carreira de professor de alfabetização e de curso básico. Estes professores precisam fazer mestrado, mas disfrutam de altíssimo padrão de salários e respeito na sociedade. Na Finlândia, um professor primário tem o mesmo status de um economista. E há dez candidatos para cada vaga de formação para estes professores nas universidades.

Segundo cálculos da própria OCDE, se o Brasil conseguisse investir pesado em educação básica e garantisse alfabetização PLENA e formação integral para seus estudantes de até 17 anos, o país poderia multiplicar por SETE o seu PIB em 30 anos! Sem mistérios, como os Tigres Asiáticos o fizeram.

Mantendo controlado o crescimento populacional, passaríamos dos atuais 8,65 mil dólares para 60 mil dólares de PIB per capita, que é exatamente o nível do norte-americano – o maior do mundo – hoje! Algo como 190 mil reais por ano, ou 15,8 mil reais por mês, de renda média para o brasileiro. Espera-se que o desenvolvimento correspondente possa levar, ao longo desses trinta anos, a uma sociedade menos injusta e com melhor distribuição de renda, naturalmente.

Contudo, neste 2017, mais de metade de todos os brasileiros (52%) não têm mais do que o ensino fundamental e só 18% dos estudantes cursam o ensino superior (84% na Coreia). Mesmo entre estes estudantes universitários brasileiros, 38% não sabem escrever plenamente e 22% são tecnicamente analfabetos funcionais.

Este é hoje um grande drama brasileiro: o enorme número de pessoas que simplesmente não conseguem ler um texto longo e entendê-lo plenamente. E não conseguem escrever com fluência e coerência. O mesmo se aplica ao domínio dos números. São os analfabetos funcionais.

Enquanto esse quadro perdurar, o país está condenado ao baixo nível de desenvolvimento humano que ostenta. Desigualdade extrema e violência continuarão crescendo. Um país superior se faz com habitantes superiores. E isso só se pode fazer começando do começo. Da Pré-escola e do Fundamental Um, já que não podemos começar a partir dos próprios lares das nossas crianças.

Fora da equidade de uma educação infantil universal de alta qualidade, simplesmente NÃO HÁ SALVAÇÃO!

 

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