O deserdado (Herculano)

 

O DESERDADO

 

Gerente de um guichê de emissão de passagens na rodoviária de Joinville, Gerson Hofmann foi durante anos a personagem mais popular naquele espaço de chegadas e partidas incessantes.

Cidadão ìmpar,  o Gerson. No trato com a freguesia era um verdadeiro gentleman. Atendia a todos de bom-humor e largos sorrisos. Comportamento típico de quem está de bem com a vida, justificava o próprio Gerson.

Vai que entre os companheiros, o gerente era chamado só de Barão do Rio Branco. Por um motivo justo e óbvio: sua estampa fisica era realmente uma réplica perfeita de José Maria da Silva Paranhos – o Barão do Rio Branco -, um dos grandes vultos da história da diplomacia brasileira.

Outra particularidade de Gerson era a sua facilidade de criar histórias mirabolantes. Do quase nada e no estalo, conseguia inventar enredos de arrancar gargalhada da largura do canal da Vigorelli.

Bela manhã, numa horinha de calmaria no guichê, Gerson aproveitava para conversar com dois velhos amigos já aposentados. Nesse animado papo, era um tal de Barão do Rio Branco pra cá e pra lá que não acabava mais.

Nisso aproximou-se um homem. Para não interromper o trio, muito educado ele preferiu parar a uns três metros, de onde começou a assuntar a conversa.

De tanto ouvir Barão do Rio Branco a cada instante, o homem não se aguentou. Meteu a mão no bolso de onde tirou um bolo de dinheiro, do qual separou uma cédula com a estampa do famoso diplomata. Depois de olhar repetidas vezes para a cédula e para o Gerson, de súbito ele mandou a educação para os quintos e meteu-se de supetão na conversa do trio.

– Perdão por interrompê-los – disse enquanto balançava a cédula  -, mas não posso deixar em branco a oportunidade de dizer que o senhor aí postado atrás do guichê é de fato a cara do Barão do Rio Branco. Estaria eu diante de um parente do homem que conseguiu incorporar o Acre ao Brasil?

Gerson gostou e não deixou a peteca cair.

– Sim, sou parente do afamado barão; para ser mais específico, sou trineto dele.

– É, ao comparar a foto da cédula com os traços da sua simpática cara, até que é de se acreditar. Porém não posso deixar de dizer que é custoso para a minha cabeça aceitar que um trineto do Barão do Rio Branco esteja perdido atrás de um guichê de rodoviária!

– Meu senhor, acabo de lhe dizer a mais pura das verdades. Se ainda assim continuar em dúvida, posso lhe dar uma explicação bem convincente, reagiu Gerson como se estivesse muito ofendido.

– Me desculpe, nobre senhor, minha intenção não era ofendê-lo. Ao contrário, só queria dizer que o lugar mais adequado para um trineto do Barão do Rio Branco seria um gabinete do Governo Federal, tentou desculpar-se o homem ao sentir a ferroada.

– Tudo bem, meu senhor. Como gostei da sua conversa até me cabe lhe dizer que cá estou devido a rebeldia do meu bisavô, que por castigo disso, foi sumariamente deserdado pelo meu trisavô. Foi assim que a minha família caiu na vala da pobreza. Mas deixemos isso pra lá porque mesmo assim sou muito feliz e realizado no meu trabalho, destramelou Gerson quase em tom de discurso.

Em meio a novos pedidos de desculpa, o homem aproveitou para comprar uma passagem.  Pagou rápido e mais rápido ainda seguiu envergonhado até a plataforma de embarque. Ao subir na escadinha do ônibus o passageiro estava convencido que havia acabado de conhecer um trineto do Barão do Rio Branco.

Gerson pagou caro pela brincadeira. Os dois amigos aposentados, que boquiabertos haviam acompanhado todo o diálogo, em poucos minutos espalharam a nova façanha protagonizada pelo emblemático gerente. Pronto, durante mais de dois meses ninguém mais chamou o Gerson de Barão do Rio Branco. Ele foi obrigado a aturar uma prolongada ladainha que todos os dias soava mais ou menos desse jeito: lá vem o deserdado, lá está o deserdado, lá vai o deserdado…

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