O homem do guarda chuva

Dia desses, sem o que fazer, andava pela cidade à toa.  Sol quase a pino. Duas da tarde, sexta-feira, treze. Fazia um calor dos diabos.  À frente, logo à frente, no cruzamento da Rua João Colin com a Tijucas passou alguém: olhar soturno, passos cadenciados. Portava enorme guarda-chuva.  A princípio, parecia uma bengala, observando melhor não tive dúvidas, era realmente um guarda-chuva. É sempre assim, quando chove em geral somos pegos desprevenidos; por isso, esse cidadão, como vingança, deve ter tomado uma decisão radical. Não importa o tempo, levava consigo guarda-chuva. Tac…! Tac…! Tac…! Ereto apoiava-se no dito cujo.  Portava-o com fineza, fechado.

Notável a figura, não? Por outra, pensei em seguí-lo, poderia ser um terrorista búlgaro. Quem sabe? Nos dias de hoje tudo é possível. Afinal, nos anos oitenta, os guarda-chuvas búlgaros ganharam notoriedade, tantas as vítimas consumadas. Veneno na ponta, qualquer estocada era fatal.

De outro lado, caiu-me a ficha.  Ora, temos vários tipos de guarda-chuvas. Há os chineses, baratos, porém desoladores. Melhor comprar meia dúzia, um para cada chuva. Não era o caso do cidadão à vista. Parecia que carregava um guarda-sol de praia, tal o tamanho. Enorme sob todos os aspectos. Coisa de metro. Maior que arma de fogo.

Cá entre nós, há certos guarda-chuvas que não protegem absolutamente nada. Bateu água e adeus…! Primeiro os pés, depois a barra das calças, e por fim pouco sobra; todos os malabarismos possíveis não impedem uma molhadeira geral.  Há as sombrinhas floridas. Sonho de toda menina moça. Ah! Ia me esquecendo, falava do cidadão do guarda-chuva.  Bem, a figura prometia: nariz afinado na ponta, alongado, em forma de gancho. Roupa escura, quase preta. Aí tem coisa. Deve ser o senhor dos castelos.

O cidadão, do jeito que passou, escafedeu-se, literalmente evaporou. Pensativo associei o fato a estórias de notórios caçadores. É comum entre caçadores fatos do tipo: andei o dia inteiro e nada encontrei. Caça nenhuma. Muitos, enfastiados, queimam os tiros ao léu. Já sem cartuchos carregados, eis que surge a caça. É tarde. Mordem os lábios enfurecidos. Certamente, o homem do guarda-chuva fazia o mesmo: vingava-se, a seu modo, de banhos anteriores. Prevenir ainda é o melhor negócio. É o caso do cágado, que prefere andar com a casa nas costas. A natureza lá tem seus desígnios, coisas do além. Nisso o homem do guarda-chuva – para minha surpresa, retornava a passos largos.  Será que esqueceu alguma coisa?  A carteira, os documentos, a insulina…! Podia ser um diabético.

Curioso, ousei provocá-lo: será que chove hoje? Com certeza, respondeu de forma incisiva, sem volver o rosto. E emendou sem pestanejar: é só conferir na casa de tua sogra. Ora, o que tinha minha sogra com isso. Diante da “delicadeza” da resposta não tive dúvidas, estava diante de um perigoso terrorista.

Embora a curiosidade, perdi-o de vista. Definitivamente não tinha vocação para investigador.

Distraído, olhava algumas vitrines. Manequins diversos, todos seminus.  Eis que ouço um batido surdo na calçada. Era ele, voltava célere o homem do guarda-chuva.

Pensei em ligar para a polícia, mas por que fazê-lo, por que agir assim? Afinal, nesse mundo de Deus, todos nós temos o direito de ir e vir. E quem me concedera o direito de duvidar de alguém.  De sua honestidade.

Não deu outra, meia hora depois desabou uma chuva torrencial. Como sempre, forte, transversal e molhadeira. Cada pinto, uma patada. Todos se recolhendo sob as marquises, rapidamente. Fiquei pensando, onde estará o terrorista búlgaro? Certamente, bem protegido debaixo de seu guarda-chuva. Mais uma vez confirmava-se o velho adágio: um homem prevenido vale por dois.  Quanto às minhas divagações… A partir daquele dia passei a ler Freud para melhor entendê-las. Foram resolvidas somente semanas mais tarde, e de certa forma surpreendente. Fiquei sabendo que na praça havia um novo tipo de guarda-chuva.  De fabricação sueca – completo e polivalente. Além de rádio, vídeo, TV e arma de fogo, leva a bordo moderníssima estação meteorológica. Quanto à origem da informação?! Preservada a fonte, obtive-a em carácter reservado de um técnico em assuntos aleatórios, recém-chegado a cidade.

COMPARTILHE: