O lugar menos sexy do mundo (David)

O LUGAR MENOS SEXY DO MUNDO [conto]
David Gonçalves – Academia Joinvilense de Letras
Maria estava furiosa.
– Se estou fria, claro que estou. Fria, não. Estou uma geladeira. Um freezer! Por que me olha com essa cara de bobo?
– Eu só quero fazer carinho…
– Ouça a máquina de lavar roupa…
– Mas o que tem a máquina? Eu comprei pra aliviar a carga de trabalho. E você parece nada contente!
– Seu brutamontes! Insensível! Quem pode se sentir sexy enquanto a máquina de lavar está operando? É um barulho grosseiro. E me lembra que tenho uma vida de escravo! Fico pensando em tudo que tenho que fazer.
– Mas… Você vê fantasma por todo canto. O barulhinho da máquina é até bom de se ouvir.
– Miserável! Por isto me sinto fria. Mais do que uma geladeira. Eu não aguento mais.
Terêncio quis argumentar. Sentia um desejo ardente. Estava ansioso por uma boa trepada. Há dias a mulher andava daquele jeito. Havia se despido. Estava nu na cama. Sequer colocara o pijama. Ansiava por carinhos. Lembrava-se das pernas bonitas das adolescentes na sala de aula e chegara do colégio excitado. O sangue corria quente em suas veias. Jantara às pressas, sem exageros. Tomara dois cálices de vinho argentino. E não desgrudara os olhos das pernas da mulher. Não eram tão apetitosas quanto as pernas das adolescentes, mas, enfim, eram pernas!
– Meu bem, você está exagerando. Você está quentinha… Não há elefantes voadores!
– Uma ova! Estou gelada. E tenho horror de sexo. Por que não procura outra mulher? Afinal, nenhum homem vive em abstinência.
– Que é isso, Maria?! Há algo de errado. Que bicho te mordeu? Que fofoca ouviu sobre mim?
– Cale essa boca! Não sou mulher de dar ouvidos a conversas. Pegue outra mulher, estou fora!
– Ah, bobinha, venha cá. Largue de conversa. Você está fazendo charme. É a mulher mais bonita que conheço. Jamais vou atrás de outras. Eu te amo. Sempre foi apetitosa! O que está acontecendo?
– Pois não sabe? Minha vida é um inferno. Quem pode gostar de sexo quando as visitas chegarão para jantar em uma hora?
– Visitas? Do que está falando?
– As de sábado.
– Mas isto já passou.
– Pra mim, não. Você queria fazer sexo antes do jantar. Quando recebo visitas, fico ansiosa. E o sangue me gela. Você gozou, eu nada senti. E, depois, ficou olhando as pernas da visita. Eu vi!
– Que besteirol, amor. Eu não olhei perna de nenhuma mulher. Você está sonhando. Por acaso, é ciúme?
Maria pulou da cama como mola e começou a andar desesperada pelo quarto. Agarrava o travesseiro com raiva. Terêncio encolheu-se. A nudez de seu corpo o deixou atônito. O desejo sumira. O pênis murchara. Desapontado, articulou algumas palavras. Havia ódio nos olhos de Maria.
– Desculpe, amor. Eu não aguentei. Antes de receber visitas, prometo que me comportarei, embora você me deixe elétrico.
– Os homens são estúpidos. Pouco se importam se as mulheres sentem prazer ou não. Eu não posso responder a um beijo apaixonado na cozinha, quando as crianças podem estar entrando a qualquer momento. Eu não consigo gozar sabendo que as crianças estão no quarto ao lado fazendo ainda as lições da escola. Eu não consigo! Você chega do trabalho e se joga no sofá, cansado, e liga a Tv naqueles programas horríveis onde só há assassinatos e estupros. Eu me vejo violentada.
Terêncio estava cada vez mais confuso.
– Sabe de uma coisa? Desisti de sexo. O quarto de dormir é o pior lugar para o sexo. No quarto de dormir, só há brigas e discussões! É um martírio. Começo a sofrer antes. Detesto quando encosta o dedo em minha pele. Sinto horror.
– Sou tão ruim assim na cama? O que fiz?
– Muito pior do que pensa. É um desastre. E, quando bebe, piora. O bafo do álcool me enoja. Sinto enjoos. Nesses dias, você me obriga a chupar. Que nojeira! Por diversas vezes, senti vontade de morder, simplesmente cortar o pênis ao meio! Por pouco, não fiz. Sinta-se feliz por isto não ter acontecido.
– Eu pensei…
– … que eu adorava! Pois bem, enganou-se. Tenho horror. Ouviu? Você me fez infeliz durante quase vinte anos. Acabou com minha vida. Eis, agora, o que eu sou: uma geladeira. Fria, absolutamente congelada. Quantas vezes, pedi: “amor, vamos a um motel”, e você dizia: “pra quê?, podemos fazer a coisa aqui neste quarto, já pagamos o aluguel, não tenho dinheiro”. Sempre me socou nesta cama. Saiba, pelo menos, que o lugar menos sexy do mundo é nossa cama. O resto do mundo é uma orgia. Mas nossa casa é insípida. Só há problemas. Contas a pagar. Compromissos a serem honrados, crianças a serem cuidadas. Horários. Rotinas. E esses malditos livros por toda a casa! Por que alguém tem que viver rodeado de livros? Livros, livros e livros. Menos sexo…
Terêncio estava chocado. O mundo ruíra aos seus pés.
– Quero o divórcio. Estou saindo hoje mesmo desta maldita casa.
Só, então, ele reparou nas malas prontas no fundo do corredor.
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