O médico da escola (Reginaldo Jorge)

 

O médico da escola

Reginaldo Jorge

 

Com cinco anos comecei a estudar na Escola Básica Dom Pio de Freitas, no bairro Floresta. Era o menor da turma, em tamanho, e só ganhava do restante em orelha e nariz. Cheguei na escola semialfabetizado, pois, como sou o caçula de uma família de nove irmãos, minha mãe, ainda quando morávamos em Nova Descoberta (município de Piçarras), me mandava com eles para a escola que tinha o nome do meu avô paterno – Escola Municipal Paulo Delfino dos Santos. Comia a merenda e ficava olhando os demais alunos se esgoelarem no beabá ensinado pela minha irmã Dulcine, que era a professora na época. De tanto presenciar, aprendi alguma coisa e cheguei no “Dom Pio” botando banca que sabia ler…

Alegria para a minha mãe e terror para a minha professora, Leonor Sestrem. O que eu gostava mesmo era de jogar futebol e soltar pipas mas, a dona Valéria Puccini Fontanela, uma italiana rígida, nossa diretora, não permitia um minuto de atraso. Dentro da sala de aula, buscava um monte de ideias que me tiravam o foco das aulas. Até que um dia a professora me acordou de um sono, com a proposta de criar o Pelotão de Saúde da sala. No primeiro instante ninguém deu muita bola, mas quando ela apresentou um jaleco branco com uma cruz vermelha na manga, a garotada foi ao delírio.

Como éramos em 30 alunos, o cargo foi para votação. Os dois meninos mais votados e as três meninas mais votadas fariam parte do pelotão. Iniciei ali minha carreira na política estudantil e fui em busca dos meus cabos eleitorais e eleitores: os flamenguistas, a galera que eu emprestava a bola para jogar, a turma da pipa e umas meninas que eu sabia que tinham beijado alguém e ameacei contar para a mãe delas (isso não foi muito legal). Enfim, fui eleito em quinto. A turma da pipa não era tão grande assim. Minha sorte é que o grupo das “descoladas” que já beijavam era grande.

Terminada a eleição, os critérios: a cada 30 dias, um aluno usaria o uniforme. Isso foi feito por sorteio. Levei sorte, fui o terceiro. Em, no máximo, 90 dias poderia assumir a tão desejada função, que se resumia em dar remédio para alguém da sala que ficasse doente e ajudar a fiscalizar a higiene das unhas e dos ouvidos, atividade corriqueira na sala. No primeiro dia usando o fardamento andava pela escola como se fosse um doutor. Já no finalzinho da aula, a professora mandou dar um “Sonrisal” para o Luiz Stolf, que no recreio havia se empanturrado da merenda de feijão.

Fui com o Luiz até a cozinha da escola. Como nunca tinha visto um comprimido efervescente, na minha vida, mandei ele abrir a boca e enfiei o grande comprimido lá dentro. Em segundos o meu “paciente” estava espumando mais do que cachorro com raiva. Em seguida lhe dei um pouco de água, o triplo de espuma passou a lhe sair pela boca. Corri para chamar a professora. Quando ela tomou pé da situação, pediu para o Luiz cuspir o que sobrou do Sonrisal e lhe deu um copo de água e um afago. E eu? Recebi um demorado puxão de orelhas! Fiquei zangado, cumpri o meu mandato, a contragosto, no pelotão de saúde olhando de longe a higiene das unhas e dos ouvidos. E assim, o bairro Floresta perdeu um médico.

COMPARTILHE: