O novo amiguinho (Hilton)

O NOVO AMIGUINHO

Hilton Görresen

 

O guri se queixava que os amigos maiores batiam nele. Naquele tempo não tinha essa de bullying, era saber se defender. Fica em casa, dizia o pai, de saco cheio. Mas não, não podia deixá-lo trancado por causa de meia dúzia de pivetinhos. Tinha de resolver o problema.

Um dia, chegou em casa animado, cantarolando. Aguardem, vocês vão ver uma coisa. Três dias depois parou um caminhão de entregas e descarregou umas caixas grandes. Deixem na garagem, comandou. A família curiosa: o que é isso?

Vieram os técnicos, se trancaram na garagem; só se ouvia o barulhinho de ferramentas: scriiich… scriiich…, de vez em quando algum splaac. Mais tarde o pai veio com um gravador na mão. Fala alguma coisa aqui, disse pro filho.

Dali a pouco – tchan, tchan, tchan – saiu da garagem um menino arrumadinho, jeito de manequim de loja, que andava com as pernas meio desengonçadas. Este é o teu novo amiguinho, disse o pai. Vai te proteger daqueles marmanjos. Era um robozinho, última geração. Estava programado para atender à voz do menino. Entendia três idiomas (português, espanhol e inglês), era faixa preta de caratê e tinha força de uns três adultos. Dê uma ordem a ele, falou o pai.

– Que paulada! – exclamou o menino admirado.

O robô correu pra pegar um cabo de vassoura. Todos se jogaram atrás do sofá. É, faltavam ainda uns pequenos ajustes!

O menino não esperou muito para sair de casa, animado. Apresentou o novo amiguinho.

– Que cara de panaca! – disse o marmanjo que liderava a turma.

Pimba! Levou um trompaço no nariz. Os outros quiseram reagir, quando viram já estavam no chão. O menino todo bobo.

– Este é meu amigo Eduardinho Van Damme; de agora em diante quem se meter comigo vai ter. Podem avisar pros outros sacanas.

O líder levantou-se do chão, nariz sangrando.

– Sobe na árvore! Vai pegar meu casaco que jogaram lá faz uma semana – falou sério o guri.

O cara foi lá, nem chiou.

– Agora vocês! Vão buscar as minhas figurinhas em casa. E depressa!

Assessorado por Van Damme, passou a comandar a turma. Deitava e rolava; agora fazia aos outros tudo que lhe haviam feito, com alguns acréscimos. Vinganças, retaliações. Quer conhecer o coração (e os interesses) das pessoas, dê a elas o poder, já sabiam nossos antepassados.

Até o dia em que os circuitos de Van Damme pifaram; o robô pirou, apenas girava em círculos. Dizem que era fabricado no Paraguai.

Não há poder que sempre dure. E agora, José?

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 25.01.2020

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