O óbvio não existe

A comunicação entre dois viventes nunca foi algo simples, fácil ou, por que não dizer, racional. Muitas vezes falamos “A”, o outro entende “B”, repete “C” e no final ninguém sabe mais o que se queria realmente dizer. Em meio a emoções, dificuldades de linguagem, vocabulário impreciso, pressa e atenção nas redes sociais (que, convenhamos, tornou esse processo ainda mais complicado), o sentido da mensagem se esvai. Sabe-se lá o que fica.

Há anos, uma personagem de um programa de humor na TV já dizia que gostava de tudo “muito bem explicadinho, nos míiííííííííínimos detalhes”. Nem sei se o programa ainda existe, mas com certeza os mais velhos hão de lembrar da figura. Os mais jovens… bem, aos mais jovens resta entrar no YouTube e dar uma olhadinha para conhecer. O certo é que mesmo no programa, com tudo explicadinho, a confusão ainda era grande e o riso certo.

Mas se tem algo que complica especialmente esta loucura que é tentar ser entendido pelo outro é o tal do “óbvio”, aquele elemento etéreo que a gente lança mão muitas vezes sem nem se dar conta na esperança de simplificar a comunicação.

Tem horas que usamos a palavra literalmente para tentar resumir a árdua tarefa de explicar algo. “É óbvio”, nada mais precisa ser dito, todo mundo entende isso. Também é muito usado para chamar os outros de burros, mesmo. “Isso é óbvio”, diz o interlocutor com tanta certeza que os desavisados ou inseguros quase acreditam que não são os únicos a perceber isso e chegam a duvidar de sua capacidade cognitiva.

De outras vezes, o que se está dizendo é tão forte e concreto para quem fala que ele acha que é da mesma forma para todo mundo. E já que é assim, para que repetir, não é mesmo? Quer um exemplo? O cidadão passa meses ruminando o conteúdo de sua dissertação. Lê, escreve, reescreve, debate com o orientador, fala sozinho, começa tudo de novo. Na hora de escrever, o conteúdo é tão óbvio para ele que os detalhes vão sendo deixados de lado. Logo os detalhes, aquelas coisas tão importantes que o levaram às suas conclusões, que explicam tudo, que dão o molho ao texto. Pobre do leitor, que tem que adivinhar o que o escritor quis dizer.

Pois vou te informar uma coisa que descobri na prática, lendo, escrevendo, observando, entrevistando pessoas, quebrando a cara: o óbvio, definitivamente, não existe. O que é muito claro para mim, a ponto de fazer parte das minhas premissas mais profundas, pode não ser para você. E geralmente não é mesmo.

Na vida de jornalista, logo descobri que o óbvio tinha que ser deixado de lado, por mais que a tentação de acreditar nele fosse grande. Para colher uma boa história, com precisão, era preciso perguntar, mesmo que a pergunta parecesse boba ou repetitiva. E depois partir do princípio que o leitor não sabe o que você quer dizer, não conhece nada sobre o assunto e precisa da informação inteira. Aí você vai me dizer: “Ah, é óbvio que um jornalista faz isso”. E eu vou te responder que não é não.

Para conseguir boas histórias de vida, então, é preciso ir muito além do que as pessoas mostram superficialmente. Aquilo que parece óbvio, superficial, pode esconder relatos riquíssimos, emocionantes, cheios de nuances ainda não revelados. Mas se a cortina do óbvio fica na frente, esqueça, caro leitor, a história corre o sério risco de ficar, digamos, comum – para dizer o mínimo.

Hoje, quando dou um workshop de escrita (#Cristinanãotemoquefazer sqn), uma das primeiras coisas que digo para o escritor/acadêmico ou seja lá que público for é que o óbvio não existe. Quando a sua autocensura disser o contrário baixinho no ouvido, desconfie e desconsidere. Explique o que quer dizer de forma objetiva, sem ser prolixo, sem enrolação – mas também sem omissão.

Isso vale para textos, conversas e linguagens variados. Vale também para relacionamentos, sejam eles quais forem. A comunicação, com certeza, vai se tornar mais eficaz e muito desencontro vai ser evitado.

 

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