Pensão Cruzeiro

Foi, ali, na Victor Meirelles, 18, frente ao Grupo Escolar Modelo DIAS VELHO, dirigido pela  professora Julieta Torres Gonçalves.

Vindos de Lages, onde litígios políticos os tinham levado á desconsideração do interventor federal, obrigando-os  a deixar o Planalto Serrano.

D. Margarida e seu marido, Adauto Vieira, já com alguma prática de hotelaria. Alugaram o prédio ao senhor João Mathias Gustanhoff e nela instalaram a famosa PENSÃO CRUZEIRO, citada, até hoje, pelos memorialistas da Ilha, especialmente, o Nicolich.

Muitas pensões havia naquela época, pois a Capital contava, somente, com três hotéis: Magestic, Metropol e La Porta. Este último era o fino, nada provinciano quantos os outros, pois tinha restaurante público e elevador, o único da cidade. E ficava próximo ao Miramar, o Trapiche Municipal, o point daqueles dias, pois, por ele, embarcavam e desembarcavam os que viajavam  para fora do Estado e do País e na frente da Praça Fernando Machado, cuja estátua equestre é um marco das vitórias brasileiras na Guerra do Paraguai e vizinha à Quinze da Figueira Centenária, a qual, de tão velha, segundo Marques Rebelo,  já se apóia em muletas.

Vendendo parte da herança, D. Margarida pôde instalar a Pensão Cruzeiro, alugando majestoso edifício  que, até hoje, guarda a sua fachada e foi desenhado por Fossari no seu Álbum de Florianópolis, antiga e/ou histórica.

Alí sofri o meu primeiro acidente automobilístico e venci a minha primeira meta de ginástica.

Subindo com meu saudoso Pai a escada para o sótão, perdi o equilíbrio por causa da ingrimidade dos degraus  (escada de alemão !) e rolei para baixo. Levava na mão um carrinho de  lata e esta me cortou o supercílio esquerdo, numa das voltas em direção ao patamar do seu começo. Sangrei muito e meu Pai me levou nos braços à Chefatura de Polícia, cujos fundos davam para a Victor Meirelles, próxima à Pensão e onde o Dr. Osvaldo Rodrigues Cabral dava plantão de emergência ou recebia os corpos para o  IML. Limpou-me o sangue e costurou-me o corte, fechando-o para cicatrizar. A cicatriz ficou como prova!

Por cima da porta da cozinha havia uma trave. A uns dois metros do chão. Elegí-a para ser a minha barra. Se pudesse alcançá-la …Media um metro e cinqüenta, aproximadamente. Exigia esforço para pendurar-me nela. Corria e me lançava com os braços para o alto, buscando-a. Um dia a alcancei.!Foi a glória! Um herói para os meus amiguinhos, especialmente Ermy, Zito e Rômulo. Depois de servido o almoço aos hóspedes, levava-os, lá, para me verem balançar.

D. Margarida, entre outras N qualidades e virtudes, tinha as de agasalhar pobres e desassistidos. Assim, a Chica foi ser ajudante de cozinha e copa, pois sem família conhecida de qualquer espécie.

Era, então, uma meninota de 12, 13 anos, trazida lá do Caminho Abrahão, Capoeiras. Feia, muita feia, ainda tinha a engrandecer a feiúra, uma cabeleira loura toda enroscada, que sempre me lembrou a Sartça Ardente do Moisés, gravura na História Sagrada. De resto, COmo os pais, era meia matusquela, jamais tendo coneguido aprender a ler ou escrever e a pronunciar corretamente as palavras. Era, entetanto, excelente ajudante de cozinha e copa !

Já a Hora do Brasil, ninguém mais a via. Recolhia-se ao quartinho dos fundos, onde dormia e tinha os seus pertences, rezava à Santa Catarina de Alexandria e, depois de se lavar (banho, ainda, era só aos ´sábados) invariavelmente repousava até as quatro horas da madrugada.

Durante dezessete anos trabalhou para D. Margarida e para o seu Adauto. Na Pensão e, depois, no Hotel Central, quando eles o montaram,em 1941,  abandonando aquela hospedaria, e aproveitando o que foi possível do antigo Hotel Macedo, finíssimo, enquanto os proprietários o mantiveram de 1912 a 1937.

E, apesar dos inúmeros esforços, a sua matusquelice se foi acentuando e agravando com o correr do tempo. Morreu internada na Colônia Santana, quando se tornou violenta, agredindo com palavras, gestos e vassouras todo o mundo. D. Margarida lhe deu um enterro digno, no Cemitério das Três Pontes com o funeral encomendado ao Ortiga.

Inexplicavelmente, tinha ódio a Getúlio e Nereu.

-Este Getúlio e este Papo Amarelo… São uns Satanás… Vão acabá com o nosso Brasili !…

Ninguém o soube. Nem como se fixou neles, pois nunca foi eleitora.

Sempre foi lembrada, especialmente quando meus pais, Margarida e Adauto, viveram, por uma característica.

Durante dezessete anos, invariavelmente ao terminar o almoço, meu Pai lhe mandou perguntar à cozinheira,  se a sobremesa, naquele dia,  era tatu com leite.

Durante dezessete anos, Chica lhe deu a mesma resposta :

-A Flobela ( Florisbela foi cozinheira na pensão) e o Hotel teve outras, depois que ela se casou com o seu João da Cruz e foi morar no Sertão da Trindade)mandô dizer que, se o senhor quisere ela faiz, mas, hoji nun tem tatu cum leite. Leite tem, mas tatu tá munto dificir de caçá….

 

PREMIADA NO CONCURSO  “CRÔNICAS DE  ADVOGADOS”- da OABSC-2001

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