O presente de Natal (Salustiano)

O PRESENTE DE NATAL

Na cama quentinha da minha infância, vovô puxava o cobertor sobre mim e eu logo pedia:
– Conta uma história? Ele sorria e perguntava qual.
– Aquela dos presentes.
Ele rebuscava na memória com os olhos brilhantes e começava:
“Era uma vez uma moça que acabara de casar. Eram pobres e moravam de favor no sótão de um sobrado do patrão. Era uma daquelas construções antigas, embaixo havia a loja onde ela trabalhava e eles tinham que forrar o teto com folhas de plástico, porque havia muito cupim. Estavam começando a vida e não tinham quase nada.
Naquele dia ela chegou mais cedo, era véspera de Natal. Como gostaria de comprar um presente para seu amado, mas lhe sobravam apenas algumas moedas. Entristecida, percebeu-se em frente ao espelho e fez pose. Era bela, com o viço dos vinte anos aflorando nos raios de sol que inundavam a janela. Mas o coração aflito a lembrava que nada tinha a dar ao amado naquele primeiro Natal que passariam juntos.
Lembrou-se então de seu tesouro. Sim, ela tinha um tesouro guardado, era um belo pingente de ouro, com uma pedra de safira incrustrada. Ela adorava ficar mirando-o ao sol, quando os reflexos criavam miríades de cores luminescentes, fazendo o azul da pedra misturar-se ao azul do céu. Fora um presente da avó, vinha de várias gerações. Mirian sonhava comprar uma corrente de ouro que pudesse fazer jus a tanta beleza e poder usá-lo ao pescoço.
Mas agora, pensava ela, já não seria necessário, pois venderia seu tesouro para comprar um belo presente para Martin. Desceu rapidamente as escadas e foi à joalheria, na esperança de receber um bom dinheiro.
– Sessenta contos, falou o homem olhando-a por cima dos óculos redondos.
– Só? Mirian nada sabia de preço, tentou ganhar mais, mas o ourives foi enfático e ela saiu com o dinheiro à cata do presente do amado. Não demorou muito a encontrar, já sabia o que queria, aquela linda corrente de ouro, grossa e trabalhada em arabescos, para ele usar no seu relógio sem qualquer vergonha.
Sim, Martin também tinha um tesouro, um lindo relógio de bolso, também de ouro e também presente de família. Exibia-o com orgulho, pois ninguém tinha um relógio tão bonito, mas tinha vergonha de consultar as horas na frente dos outros, porque a tira de couro que o amarrava estava velha e puída.
Quando Mirian viu a corrente não teve dúvidas, era aquela mesma, ficava imaginando o quanto Martin ficaria elegante com aquele adereço e o via todo empertigado, tirando o relógio da algibeira e consultando as horas com uma elegância ímpar.
– Cinquenta e cinco contos, falou a mulher franzina, Mirian tentou regatear, mas não teve paciência para negociar com tamanha inflexibilidade.
Voltou correndo para casa, antes parou na quitanda e com o troco comprou bolo de amêndoas e nozes, o que daria para fazer a singela ceia de Natal. Estava alegre e triste ao mesmo tempo.
Martin não chegava e ela cada vez mais impaciente preparou a mesa, colocou o bolo ao centro, acendeu a vela, fixou um pedaço de plástico que havia se desprendido do teto para evitar cair sujeira na mesa. Ficou andando entre o quarto e a cozinha, os dois únicos cômodos da modesta moradia. Cuidadosamente colocou o pequeno pacote com a corrente ao lado do pratinho dele.
– Oh tempo que não passa, pensava ao ver os minutos que tanto demoravam no ponteiro do relógio da torre. Estava apreensiva, não sabia se fizera a coisa certa, afinal Martin não a deixaria vender aquele pingente por nada desse mundo. E ele demorando…
Enfim Martin chegava. Escutou os passos do velho sapato na escada, imaginou ele subindo com a maleta, o sorriso dos vinte anos ao abrir a porta e o abraço carinhoso. Era muito novo para assumir a responsabilidade de uma casa.
– Oh Deus, fazei com que ele goste do presente, fazei com que não brigue comigo, rezava baixinho. Ela ainda não o conhecia direito e não imaginava qual seria sua reação ao saber que ela vendera o pingente.
– Surpresa! Ela gritou ao atirar-se nos braços dele, cobrindo-o de beijos. – Surpresa repetiu baixinho, antes que ele cobrisse sua boca com um demorado beijo. – Tem bolo, falou conduzindo-o pela mão.
Ele percebeu o presente, ficou na dúvida se abria o pacote ou não, queria perguntar onde ela conseguira dinheiro, mas a dúvida pouco demorou e ele desembrulhou rapidamente. Mirian o fitava com um misto de medo e alegria.
Ao ver a corrente empalideceu. Olhou para o presente, olhou para Mirian e olhou novamente para a corrente, queria falar, mas as palavras lhe fugiam.
– O que foi? Perguntou ela com os olhos úmidos, abraçando-o por trás.
– Nada, nada, murmurou ele, levantando-se e beijando seu cabelo. Não foi nada. Onde você conseguiu o dinheiro?
– Vendi meu pingente, falou ela tentando dissimular a voz, querendo que isso parecesse a coisa mais natural do mundo.
– Não! Ele abafou o grito. – Não, repetiu baixinho, já com lágrimas nos olhos.
– A gente compra outro, falou ela, chorando e enlaçando-o pela cintura. Fitou seus olhos e repetiu: – A gente compra outro.
– Vamos comer o bolo, sussurrou ele entre lágrimas, enquanto entregava a ela um pequeno embrulho com um belo laço de fita, completando:
– Vendi o relógio para comprar a corrente do seu pingente.”

Com as pálpebras pesadas pelo sono conseguia ainda ver vovô com lágrima nos olhos. Logo veria Mirian e Martin em meus sonhos de menino. Ela ostentando com orgulho seu pingente preso a uma linda corrente de ouro. Ele, empertigado, tirando o relógio e consultando com orgulho as horas no seu relógio de ouro. A corrente ornada de arabescos brilhava ao sol.

Salustiano Souza

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