O Santo Milagreiro (Reginaldo Jorge)

 

O Santo Milagreiro

 

Naquela noite decidi não assistir aulas na faculdade de História na Furj-Univille. Fui à casa da minha irmã, a Dina, matar um pouco da fome e da saudade de um bom pão caseiro que só ela sabe fazer.  Ao chegar, vi que Talita, a caçula da família, chorava ao lado das irmãs Sibeli e Rosemeri. Tentei acalmá-las.  Logo percebi o motivo da tristeza: um periquito-australiano morto no fundo da gaiola.  Alguém tinha esquecido o casal de aves no sol e a fêmea morreu de “insolação”.

Diante desse quadro fúnebre, não tive dúvidas: peguei a gaiola do chão e disse em tom de seriedade para a pequena Talita:  o tio vai entrar no quarto e rezar para trazer o periquito de volta, tá?  Dina, com cara de surpresa, não disse nada…

Entrei em casa, fechei a porta do quarto, tirei o periquito morto da gaiola e enfiei no bolso, pulei a janela, atravessei a quadra e fui à agropecuária e, sem pudor, pedi ao balconista um periquito “vivo” idêntico. Rapidamente ele me vendeu um exemplar igualzinho, e fiz o meu caminho de volta. Coloquei o novo periquito na gaiola e saí do quarto ao encontro de Talita, que assustada, parou de chorar de imediato.

Ela não acreditava no que via. Com a reza para o anjinho, o tio tinha “ressuscitado” o periquito. A menina, na sua inocência, não parava de me beijar. Minha irmã, indignada, queria saber como eu tinha feito aquela proeza? Não lhe dei detalhes. Problema solucionado, todos felizes e eu bem alimentado, voltei para casa.

Dias depois… um telefonema da galera da faculdade me levou para a balada. A festa na casa do amigo Celito, regada a vinho de qualidade discutível e ao som de violão, era compensada com a presença de algumas beldades da faculdade. Depois de muita bebida, Raul Seixas de montão e como de praxe, sem conseguir ficar com ninguém, voltei para casa às 5 da manhã.

Três horas depois, minha mãe queria derrubar a porta do quarto, de tanto bater. Levantei contrariado. Ela foi direta: a Talita está aí fora com uma amiguinha e quer falar com você. Com o fígado em pandarecos tomei um copo de água e um susto! –  Talita trazia uma pequena toalha com algo dentro. Quando vi o conteúdo, quase desmaiei… Era um filhote de Pinscher morto.  A pequena Talita, dentro da sua inocência, pediu, em nome da amiguinha, que eu rezasse para o anjinho ressuscitador. Engoli em seco, peguei o animal morto e levei para o meu quarto e me fiz a grande pergunta: E agora???

Depois de muito pensar, saí do quarto, fitei a pequena e a amiga e disse que o anjinho só ressuscitava aves. As duas se entreolharam e saíram chorando com o embrulho nos braços. Diante desse quadro, decidi encerrar a minha carreira de curandeiro antes que o Curió do meu cunhado resolvesse partir, também!

COMPARTILHE: