Ofensas (Hilton)

OFENSAS

Hilton Görresen

Este mundo anda muito violento. Veja no trânsito: motoristas não têm mais paciência, qualquer deslize do próximo lá vêm xingamentos, insultos, buzinaços. Então o próximo, mesmo um pouco afastado, faz um gesto obsceno, insultuoso, e começa a briga, muitas vezes com fim trágico. Soube, através da internet, de um caso em que pedestres agrediram o motorista. Com certeza, na origem desse feio procedimento estava algum dos nomes tabu de nosso dicionário.

Para que utilizar palavras ofensivas se você pode se valer de termos mais comportados e charmosos, obtendo o mesmo resultado?

Por exemplo, se o motorista lhe corta a frente, em vez dos costumeiros “elogios”, exclame simplesmente: Hebdomadário! Ele não saberá o significado disso e se considerará devidamente insultado.

Quando você se demora um pouco diante do sinaleiro aberto e o nervoso motorista de trás lhe aplica uma contundente buzinada, coloque a cabeça para fora da janela e grite: Alabastro! Nicéforo!

Se um “descuidado” passar com o veículo sobre uma poça d’água e lhe der um banho, contenha aquele termo cabeludo que lhe aflora à garganta e exclame, com cara de poucos amigos: Quiropata! Selenita!

Quando jovem, a gente se divertia gritando para os que passavam de carro: Tomate cru! Se entendessem outra coisa, não tínhamos culpa.

A vantagem desse procedimento é que se você for processado pode alegar que os termos que proferiu não estão na categoria dos insultos, muito pelo contrário. Ninguém pode lhe condenar por tachar seu desafeto de apedeuta, lutulento, sorumbático, iconoclasta, ludopédio, rocinante, assindético, exafórico e outros.

O juiz perguntará à furiosa vítima:

– Qual a ofensa que o réu lhe dirigiu?

– Ele me chamou de almocreve, Excelência!

O nobre magistrado, que já leu a obra de Machado de Assis, dará uma gostosa risada.

– Minha senhora, de que modo o réu lhe assediou sexualmente?

– O sem-vergonha me chamou de furibunda.

Alguns desses termos – como intimorato, taumaturgo, panegírico, calipígia – ainda são elogios. Uma jovem calipígia nunca poderá se considerar tremebunda, seja qual for o significado que dê a esta última palavra.

O que vale é a intenção, muitos dizem. Você estará exercendo seu sagrado direito de xingar os que lhe desagradam, de um modo culto e refinado, e ficará a salvo das sanções legais e persecutórias (isto sim é que é palavrão) que poderiam cair sobre sua cabeça.

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE 13.02.2021

 

 

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