Os advogados e o perdão

Recentemente ganharam repercussão as seguintes frases proferidas por um desembargador: “Eu perdoo o advogado que vem aqui defender clientes. Essa é a função do advogado e a gente tem que perdoar”.

Não acuso o desembargador ou repudio sua fala. Prefiro partir do pressuposto de que tenha se expressado mal, ou que as frases tenham sido retiradas do contexto. O pensamento, no entanto, serve para demonstrar a incompreensão que os advogados sofrem nos tempos atuais.

Advogados não são juízes. Somente são imparciais até o momento em que escolhem patrocinar a causa. A partir da contratação tornam-se defensores. Perdem qualquer dever de imparcialidade. Um advogado imparcial seria um perigo para o cliente. Ele não fala por si próprio. Fala por aquele que o contratou. Conta a verdade de uma das partes do processo.

Defender a razão alheia não é fácil. Imaginem a angústia de um defensor, que sabe que o cliente é inocente, mas não consegue demonstrá-lo. Imaginem o tormento daquele que sabe que a decisão do juiz dependerá daquilo que disser nos autos, mas não consegue encontrar o argumento necessário ao convencimento. Pensem na dor no peito de alguém que, convencido de que defende uma causa justa, não consegue triunfar. É difícil um advogado que não empalideça em um momento desses. Pensem no momento de admitir a derrota perante um cliente. Não há nada mais doloroso do que esse instante. A noite é passada em claro imaginando o que poderia ter sido feito diferente, ou quais outros argumentos poderiam ter sido utilizados. Nesses momentos o Judiciário é amaldiçoado e até Deus é ameaçado.

Ao acordar no dia seguinte, no entanto, para que os advogados possam trabalhar, precisam de um espírito refeito e da disposição retomada. Necessitam da crença no Judiciário restaurada.

É isso que faz com que algumas vezes os advogados escrevam, falem e recorram em demasia. É o que os leva a aumentar a voz em audiências ou sustentações. Certamente não o fazem por prazer. É obstinação. É a combatividade daqueles que querem fazer o possível e o impossível para que triunfe a verdade de seus clientes. Certamente a advocacia não é para os fracos, e advogados não pedem ou esperam perdão quando exercem regularmente sua profissão.

 

I ou AI

 

Tudo o que começa com I nos Estados Unidos é coisa boa. Lê-se “ai”, mas não dói. Começando com I traz alegria. Primeiro foi o Ipod, que revolucionou a maneira de se ouvir músicas e conquistou o mundo.

Depois veio o Iphone, que revolucionou o mundo dos celulares. Além de telefone é um instrumento que permite ouvir música, tirar fotos, filmar, saber a previsão do tempo, ver as horas e acessar a internet. Essas são apenas as funções principais, pois a lista de coisas que o aparelhinho pode fazer é praticamente interminável. Tem até um GPS que “quebra um galho” enorme sempre que se precisa encontrar um endereço difícil.

Finalmente veio o Ipad, que revolucionou o mundo dos computadores e do acesso a internet. Fiquei refletindo se o que começa com “I” no Brasil também é bom. Logo vi que o que inicia com essa letra por aqui também se lê como “ai”. Lembrei inicialmente do Imposto e, logo depois, de uma série deles. Estão previstos na Constituição Federal. O primeiro tem um nome que prenuncia tudo o que está pela frente. Trata-se do II, imposto de importação, ou seja “ai ai”. Começando por “ai ai” já se poderia imaginar a dor do cidadão brasileiro que é forçado a pagar além dele: IE, IR, IPI, IOF, ITR, ITCMD, ICMS, IPVA, IPTU, ISSNQ e ITBI.

É um “ai ai ai” que não acaba mais, mas esses não são os únicos tributos que os brasileiros são obrigados a pagar. Há também diversas taxas e contribuições. Essas últimas são as piores. Começando com “I” já era ruim, com “C” só poderia ser pior. Basta lembrar da CPMF, que é como o Jason do filme sexta-feira treze: morre e ressurge. Outras são como zumbis, pois não morrem nunca. CIDE, Cofins, CSLL e CSS são apenas algumas das siglas que assombram as noites dos contribuintes.

Certamente haverá quem diga que a comparação é injusta. Pagar tributo é como “desarranjo”. Não há “desarranjo” oportuno. Sempre vem na hora mais imprópria. O mesmo ocorre com os tributos. Não há quem goste de pagar. O fato é que dor de barriga tem remédio e cura-se por completo. A tributação não. Por menor que seja vai sempre restar uma dorzinha. O problema é que o médico da dor tributária nada faz para combatê-la. Os tratamentos que aplica somente servem para agravá-la, e o contribuinte segue a vida inteira em seu “ai ai ai”.

 

AINDA HÁ JUÍZES NO BRASIL

 

O artigo de hoje é sobre um salafrário. Esse bandido atua em diversas áreas.

Ele cobra valores dos cidadãos sob a alegação de que precisa prestar certos serviços. Algumas vezes, no entanto, deixa de prestá-los. Em outras oportunidades presta-os com deficiência. Ele força os cidadãos a receberem pela sua propriedade valores abaixo do preço de mercado. Um indivíduo desse tipo obviamente não paga as suas contas em dia. Recusa-se a pagá-las. Desobedece ordens judiciais de pagamento, e força os seus credores a aceitarem o parcelamento de suas dívidas em prazos de vários anos.

Certamente nesse momento o leitor deve estar indignado com tamanho escroque, e curioso sobre o seu nome, para se precaver contra o bandoleiro. Infelizmente não há como se prevenir. Somos obrigados a manter relações diárias com ele, pois o bandido é justamente o Estado brasileiro.

Cobra tributos dos cidadãos, mas presta serviços com deficiência. Sempre que necessita desapropriar um imóvel paga por ele abaixo do valor de mercado, e obriga o cidadão a recorrer ao Judiciário para garantir os seus direitos.

Recusa-se a pagar a suas dívidas e frequentemente dá calotes gerais, alterando a própria Constituição Federal para evitar pagar os seus devedores. Uma dessas alterações teve o disparate de determinar que os débitos do Poder Público fossem corrigidos pelos índices aplicáveis à caderneta de poupança, e determinou o parcelamento dos débitos vencidos em quinze anos.

Em julgamento recente, no entanto, o Supremo Tribunal Federal declarou essas normas inconstitucionais. Ao saber da decisão da Suprema Corte, lembrei-me da antiga história do moleiro de Berlim.

Reza a lenda que um velho moinho atrapalhava a visão que o monarca Frederico II da Prússia tinha da paisagem. O monarca instou ao moleiro que destruísse a construção, e este se recusou. O rei o interpelou dizendo que como monarca poderia confiscar-lhe a fazenda sem qualquer indenização. O moleiro replicou com tranquilidade: Ainda há juízes em Berlim.

Foi com esse sentimento que recebi a decisão judicial comentada. O Poder Judiciário é a única defesa do cidadão contra o arbítrio do Estado. É certo que tem problemas, mas apesar de tudo atua com imparcialidade e competência. Felizmente, sempre que se deparar com a prepotência de nossos governantes, o cidadão brasileiro pode afirmar com segurança que ainda há juízes no Brasil.

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