Palavras, palavras (Hilton)
PALAVRAS, PALAVRAS…
Cheguei a uma oficina, abri o capô do carro e falei: quero substituir o hemistíquio no cabo do esquizóide. Os mecânicos olharam disfarçadamente um para o outro, rindo-se com as mãos sobre a boca. Tinha dito aquilo de propósito. Mas para um leigo em mecânica essas palavras teriam o mesmo efeito de outras quaisquer.
Posso compor o time da seleção italiana para a próxima Copa do Mundo: Paparazzi, Rissoles e Perdigoto; Panarício, Escarlatina, Pocilga e Molinete; Batráquio, Espermacete, Néscio e Escorbuto.
Isso significa o quê? As palavras não têm nada a ver com as coisas que nomeiam. Uma mesa continuaria sendo mesa com qualquer outro nome. E mais: um termo só adquire sentido quando inserido num contexto. Pegar ônibus não é o mesmo que pegar serviço ou pegar uma gripe.
Os termos poderiam ter outra significação. Fosse eu o inventor das palavras, teria mudado muita coisa.
Uma palavra que me intriga é “enxúndia”. Lembra alguma cerimônia solene, bodas ou funeral, sei lá: Você assistiu às enxúndias do Cícero? Ou até mesmo uma sova bem aplicada: como se sabe, alguns indivíduos precisam de uma boa enxúndia. Quanto a mim, ninguém me tira da cabeça que se trata de um ato vil, insultuoso. As pessoas podem ser processadas por enxúndia.
Uma palavra como “alcatifa” devia ser coisa terrível, não podendo andar nos ouvidos de moça direita. Vejam o efeito: Minha sobrinha virou uma alcatifa – diria a tia desesperada. E “Telúrico”? É claro que se trataria de um chefe bárbaro, que invadiu a Europa lá pelo ano 800 D.C. Posteriormente, converteu-se ao Neologismo, antiga religião monoteísta e casou-se com a grega Anáfora. E “Encomiástica”? Seria certamente uma senhora gorda do século 19. Encomiástica, cuidado com o degrau! – diria sua irmã gêmea Antonomásia.
“Blandícia” parece ser um ato reprovável, comparável a corrupção, malversação de dinheiro público e outros. Tão grave quanto enxúndia. “Cabotino” (não confundir com o Cabo Tino) seria uma peça de mastro dos barcos a vela antigos. Durante a tempestade era constante a quebra da traqueia do cabotino.
Epicenos seriam os antigos habitantes da região de Diarreia, que adoravam a deusa Sacripanta. Panegírico, um comerciante grego, que fornecia escrófulas, iguaria predileta do imperador Astrolábio da Panaceia.
Pois é, leitor, como diz um antigo aforismo: palavras são palavras, nada mais que palavras.
Crônica de Hilton Görresen, publicada no jornal A Gazeta de SBS de 11.11.2017