Pré-operatório (Adauto)
PRÉ-OPERATÓRIO
Quando me internaram, tinha a plena certeza de que, pelo menos, os preparativos operatórios deveriam ter evoluído desde quando, em 1941, com 7 anos, por puro modismo, extraíra o apêndice. Marcada a cirurgia para o dia seguinte, às sete horas da manhã, na noite anterior recebi a visita de um enfermeiro que me fez trocar de roupa por uma bata fechada na frente e completamente aberta atrás, cujo comprimento faria inveja a qualquer minissaia.
Prá que? ousei perguntar.
Prá ficar mais à vontade. Daqui a pouco venho buscar o senhor para uma raspagem geral. Uma tricotomia completa.
Sendo advogado e não médico, me perguntei: será que vão fazer tricôt com os meus pelos?
– E’ depilação?
-Mais ou menos. Do pescoço ao joelho. Prá evitar infecções e dores, quando sacarem os esparadrapos.
-Fala difícil o gajo…-pensei com os meus pelos.
Dez minutos depois, deitado numa maca, fui encaminhado à sala de curativos, onde o enfermeiro, já de barbeador em punho, sabão virgem (daqueles com potassa e cinza marca Wetzel) me esperava e um pincel, cujos pelos estavam no fim, que não fazia mais espuma, me esperava para aquela barba corporal.
-Vai de gilete mesmo?
-Não tem outra maneira!
-Ao menos poderia ser prestobarba, não? Este pincel um Wilkson –inglês- daqueles que o Rei George usa…
– Tu não és o Rei George é mero previdenciário…
– Pera aí, meu chapa, vai lá ao meu apartamento e apanha o meu creme Nívea para barba e o pincel Wilkinson. Tão na pia… Aí Tu fazes espuma mais facilmente e perfumada… E, também, traz aquela colônia de após barbear Givenchy, tá junto.
-Não posso, é contra o regulamento. Quer que o prefeito me demita?
-Mas com estes aí acho que não vai dar pé…
– Vai, sim, é o terceiro que depilo hoje com eles… Segurado do instituto e, ainda, quer moleza- murmurou entre os dentes.
– Onde fui me meter… (Seja tudo em holocausto ao teu Santo Nome e ao teu Sacrifício- pensei baixinho, se não…)
Quando julgou que estava suficientemente (ou parcialmente, pensei eu), espumado o robusto corpo do “segurado”, começou a barbeá-lo, lembrando pelo arrastar do barbeador, pedreiros a raspar cimento do chão. Frio, suando, hirto, sem coragem de mais mugir ou tugir, entreguei-me.
Quinze minutos depois, estava que nem um coré em véspera de réveillon, desses que se vendem nos supermercados, prontos para o forno com a maçã na boca.
-Pronto? – perguntei, quando o outro enfermeiro começou a enxugar-me.
– Não, agora vou preparar o clister…
-Tás brincando…Ainda com chá de bico, lavagem? Não tens sal amargo, calomelano, pursenide, leite de magnésia?
– Pro efeito ser bom, tem de ser clister….
Indefeso, sem ter para quem me socorrer, peladinho como um coré na véspera de forno de tijolos, aproveitando a bata sem costura atrás, que me fazia sentir frio nos fundilhos, tomei aquela posição de Napoleão em Waterloo e iniciei uma oração ao meu São Judas Tadeu, socorro dos aflitos.
– O senhor não acha melhor fazer sozinho?
– Que que é isto, tás me achando cara de Mme. Satan? Cumpra o seu dever, moço, que cumprirei o meu. Como machos…Não sabe que que quem dá aos pobres paga o motel?
-Aguentei o que deu, sofrendo horríveis cólicas.
Quando o carrasco voltou, viu-me olhando um objeto metálico, meio oxidado.
– Que tal, fez efeito?
-E como, olha, aqui, este botão de uniforme que engoli no tempo em que estudava no ginásio em 1944.
Examinou a pecinha na qual se podia ler Gymnásio Catarinense…