Prenúncios de Natal (Donald Malschitzky)
Prenúncios de Natal
Donald Malschitzky
Miguel acordou assustado com os gritos dos pais e o barulho que não entendia. Chovia quando foi deitar-se. O tamborilar da chuva embalou seu sono e, quando já não se ouvia um pingo separado do outro, mas o som de cachoeira desabando no telhado, ele dormia. Era ainda novo demais para ter vivido desastres, mas, ao ser chamado de forma desesperada no meio da noite, sentiu que acontecia algo realmente sério. Seu pai o pegou no colo e o carregou para o sótão, onde já estavam a mãe e as irmãs. Olhou para baixo da escada: um rio passava por dentro da casa. Aconchegaram-se, trocando olhares temerosos antes que as luzes se apagassem na rua e em todas as casas. Assustado, chorou. Regados de tristeza, ali ficaram à espera do amanhecer.
Da janela, viram as ruas transformadas em rios, casas, comércios, muita coisa destruída; dentro de casa, água suja cobrindo móveis, geladeira, fogão. Ficaram no sótão, na desesperada esperança de receber algum socorro. A sede começou e, logo, também, a fome. Lá fora, apenas desgraça.
No meio da tarde, surgiu um amigo: como um anjo louco, sentado numa câmara de caminhão, remava com um sarrafo e trazia uma sacola a tiracolo, com alguns pães dormidos e duas garrafas d’água.
Conseguiram dormir, pensando no anjo que os visitara. A chuva diminuiu. Já pensaram em sair de casa, mas o risco ainda era grande; melhor esperar. Ainda em desespero, conseguiram sorrir com a chegada de outros anjos com seus uniformes vermelhos: dois bombeiros em seu barco, socorreram, primeiro, a mãe e as crianças. Depois, voltaram para apanhar o pai, levando todos para o abrigo montado pela Defesa Civil. Muita gente, ligada pela mesma tristeza.
No início, recebiam a comida em marmitas de isopor. Brinquedos, não havia, e Miguel, quebrando a marmita como dava, conseguiu transformá-la no que achava ser uma estrela. Pediu para a mãe ir com ele para soltá-la no rio de água da chuva ao lado do abrigo. A estrela saiu a navegar em direção ao bosque que estava totalmente inundado.
Levou tempo para estiar e mais ainda para as águas baixarem. Quando aconteceu, mutirões limparam as casas e as ruas, e a vida voltou a sorrir. No bosque, as árvores emergiram das águas. Nos galhos de uma delas, uma estrela pendurada.
No outro lado do Mundo, crianças se depararam com cartuchos vazios, cujos projéteis já cumpriram sua fatídica missão, no que já fora seu campo de futebol. Ao redor, somente escombros. Puseram-se a brincar com eles. Brincadeiras tristes, até que um deles propôs: “Vamos enterrar essas coisas”. Retiraram pedras, pedaços de cimento, o que havia de destruição, até formar um buraco, onde eles foram depositados. Com raiva e alegria, cobriram tudo. Veio uma menina carregando uma bola de futebol já meio estragada: “Quem quer jogar?”. Desviando das pedras espalhadas no campo, jogaram até cansar.