Primaverando (Simone Gehrke)

PRIMAVERANDO
Este ano, sob os auspícios do outono, a primavera desabrochou em pleno inverno na cidade mais populosa de Santa Catarina. Longe de se caracterizar como um fenômeno climático, a intersecção das estações floresceu no espírito de um grupo muito especial de mulheres, que vieram se apresentar no Festival 40+, o mais novo evento inclusivo do Festival de Dança de Joinville.
Participantes da categoria acima de 60 anos – idade outrora considerada o outono da longevidade – grupos de mulheres de vários cantos do país, com integrantes que chegavam a oito décadas de existência, extravasaram no palco do teatro Juarez Machado suas alegrias e venturas de forma leve e serena, mostrando que a delicadeza dos movimentos em diversas modalidades de dança ultrapassa o peso que se acumula com as adversidades da vida.
Elas já passaram pelos encantos e dissabores da juventude; viveram as maravilhas e as agruras do matrimônio; criaram filhos, com os embates que a diferença de gerações oferece; experimentaram a síndrome do ninho vazio; contribuíram na educação de netos. Mas, acima de tudo, entenderam que existe uma vida que vai muito além da lei universal do cristianismo: crescei e multiplicai-vos. Que é possível encontrar motivos para se manter interessante e ativa, aproveitando seus dias, depois do período em que a urgência de gerar filhos se estabelece.
Primaverando, estas mulheres desfilaram em Joinville, confiantes e orgulhosas de sua condição de bailarinas sêniores, senhoras do momento presente, reforçando a convicção exposta no final da coreografia de um dos grupos participantes da mostra: a vida é agora!
Não importa quantas décadas você já colecionou. Ou quantas outras ainda terá pela frente. É irrelevante se sua condição física permite a realização dos movimentos na forma ideal em que foram idealizados. O importante é viver em plenitude um dia depois do outro; concentrar as energias em cada momento; tornar realidade os ideais de felicidade; renascer com novos propósitos em diferentes momentos da vida.
Imagino o quanto existe de drama no passado recente ou remoto de muitas mulheres que participavam destes grupos. Sonhos frustrados; semeaduras não concretizadas com as respectivas colheitas; esperanças despedaçadas com o passar do tempo.
No entanto, apesar e acima de tudo, estas mulheres maduras e bem resolvidas deixaram um recado para os jovens bailarinos que formavam a maioria do público no evento. Recado este que poderia ser sintetizado em reflexões atribuídas a dois grandes mestres da literatura: “Sejamos como a primavera, que renasce a cada dia mais bela” (Clarice Lispector) e “Deixa que a vida faça contigo o que a primavera faz com as flores” (Pablo Neruda).
Cada um exerce sua personalidade e vive a sua história todos os dias, enquanto coloca em prática seu direito de estar presente no mundo que lhe cabe, até que chegue ao fim de sua jornada. Exalar vitalidade e iluminar a vida como a primavera, a mais bela das estações do ano, mais do que um ato de sabedoria, é um direito de todo cidadão, que vem sendo exercido, neste momento, por muitos que cultivaram sua juventude no século passado.
Simone Gehrke
COMPARTILHE: