Razões para mudar de endereço (Hilton Görresen)

 

RAZÕES PARA MUDAR DE ENDEREÇO

Hilton Görresen

 

Você recebe proposta para um emprego em outra cidade. A cidade é boa, tamanho médio, bem-organizada. Para convencer a família a se mudar, você passa a relacionar os benefícios da troca de endereço: a maioria dos parentes está morando lá, tenho meus irmãos, primos e tios. Vamos poder conviver mais com a parentada.

Engano. Você só vai ver mesmo os parentes nos aniversários (quando for convidado) ou no enterro daquela tia octogenária.

Já estou de olho numa casinha nas imediações do centro. Rua boa, perto de uma confeitaria e de uma choperia. À tarde, podemos tomar um bom café com doces. E (somente em pensamento) algumas vezes poderei saborear meu chopinho com aperitivos. Engano. A confeitaria é cara pra burro, melhor tomar o café em casa. Você vai á choperia e vê que só é frequentada por jovens, senta-se à mesa sozinho, pede um chope que demora uma eternidade para ser servido, enquanto fica escutando a zoeira ao seu redor.

Ali perto tem um cinema moderno, podemos acompanhar todos os lançamentos de Holywood. Engano. Você vai umas duas ou três vezes, depois fica com preguiça de sair de casa; também é difícil encontrar vaga para estacionar o carro. Para complicar, a maioria dos filmes lançados parece feita especialmente para crianças e adultos imbecilizados. Resultado: você prefere pegar as “novidades” na Netflix.

Há uma academia a poucos metros de casa. Vou poder entrar em forma, fazer natação. Vocês vão ver, vou virar um gurizão. Engano. Você só vai poder frequentar a academia à noite, no horário do jornal nacional e dos jogos do campeonato. Depois, esse troço de ir lá, colocar calção de banho, entrar debaixo do chuveiro, dar umas nadadas, entrar de novo debaixo do chuveiro, trocar de roupa, etc., etc. é muito incômodo. Esqueça.

Bom, ali perto há uma escola de segundo grau, dizem que a melhor da cidade. Professores todos com mestrado. O garoto vai ter um bom estudo, ficar preparado para o vestibular daqui a dois anos. É cara, mas vale a pena.

Engano novamente. O garoto não consegue acompanhar o ritmo de estudo, os trabalhos diários, as provas semanais. A disciplina é rigorosa. Levou advertência por conversar com o colega a seu lado. Antes que seu filho se torne abichornado (calma, não faça julgamento antes de olhar no dicionário) e que perca o ano, pelas notas baixas, é melhor “pedir pra sair”, solicitar transferência para outra escola menos competente (e muito mais distante).

Não é fácil, não é? Mas se o emprego é bom, faça valer seu direito de chefe da família e vá em frente.

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