Reencontro no verão (Joel)

Reencontro no verão

Para quem vem do leste, a cidade atravessa a barra da emoção logo depois de Tamarana. Vencida uma sucessão de elevações que ficam para trás como ondas, e após uma longa curva à esquerda, surge a imagem amada à boca da noite. Feito a coluna mais avante de uma grande armada, as primeiras edificações marcham sobre um campo de trigo, para trazer o abraço demorado dos reencontros, nessa terra que o sol agonizante torna ainda mais vermelha.
Vim para buscar esta crônica escrita na janela debruçada sobre o verão. La fora, o rugido surdo do calor elabora o açúcar das jabuticabas e faz crescer uma necessidade insana por tudo que o rio do tempo há de nos devolver. O verão é, principalmente, esse tremeluzir sobre as águas do Lago Igapó, onde a luz que não se afoga desce mansamente para tocar a água com os lábios e beber saudades dessedentadas. Um bronzeado de muitas origens se mistura na pele da paisagem, onde o mineiro e o nissei compõem um terceiro tom que se revela mais aos ouvidos que aos olhos, pela candura de um sotaque amistoso e prestativo, num estado de quase música.
A manhã nasce para repor tudo que foi deixado em antigos verões, ruas e rostos com o mesmo frescor de meio século atrás. A tarde se dilata nos olhos úmidos de espanto e calor que esperam pela primeira chuva, mas ela tange nos arredores da Warta e toma outro sentido, sem se derramar sobre o clamor do domingo. Enquanto a tarde cai, duas belas passeiam sobre a grama no quintal do tempo e, no céu, uma nuvem vai sendo esculpida em espirais até tomar a forma de um rosto, onde os últimos raios de sol pincelam um tom púrpura sobre o ocaso, fazendo confranger quase até o desespero.
A noite promove um encontro embaixo das estrelas. Ando a pé pela cidade, em companhia de minha própria sombra que se despega do chão, projetada pela luz dos postes da via pública. A sombra recortada na mancha clara da iluminação caminha comigo num silêncio reminiscente. Conforme o poste se afasta e sua luz se abranda, outro se aproxima, com uma projeção na direção contrária. E por um instante, somos três solidões que a lua, em outro lugar, desfoca levemente, como a lembrar que nada é nítido passado nem futuro certo e o presente se desmancha nessa leve oscilação entre duas luminosidades no cenho do verão em Londrina.

Crônica, AN. 12.01.2017

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