Reginaldo dos Santos (Marinaldo)

 

TEXTO PRESENTE para REGINALDO DOS SANTOS

por Marinaldo de Silva e Silva

Cara, já é 1986. Rapaz, que preguiça danada de ir pra escola hoje. O Celso Ramos deve estar daquele jeito! Sexta-Feira! Geral, com certeza. Se não fosse o “Viva a Poesia” hoje eu ficava em casa, grudado na TV. Teve jogo da Copa, eu queria mesmo era estar no México, mas tá valendo…Então… Onde estarão minhas fichas de telefone? Preciso ligar pra galera. Preciso marcar o filme no sábado. O Cine Palácio vai tá lotado! Ases Indomáveis, tá todo mundo falando, eu não posso perder essa, tenho que marcar com a turma. Tomara a mãe cubra as despesas. Pra isso, vou caprichar nas aulas, ela se orgulha!

Reginaldo saiu naquele final de tarde, apressado. Chovia, sem guarda-chuva ele correu até o ponto de ônibus. Tinha achado as fichas, duas, estavam no bolso. Era seis minutos de conversa. Tinha que aproveitar esse tempo. Sem dinheiro e de olho no futuro, ele já parecia que faria história, na história. Parecia pelo menos, sempre curioso com o mundo, sempre atento ao que estava ao lado, sempre acompanhando os noticiários! Era assim que era visto. Os que gostavam de poesia sempre o viam como se estivesse sempre de aniversário.

Cara, to super nervoso. Não decorei o poema direito… Aquele, o Quase! Lembra! Eu tinha te mostrado na igreja. Naquele domingo!… Como, qual domingo. Naquele em que eu tava cheio de confusões na cabeça!… Então amigo, tu acredita que eu pensava que o poema era do Luís Fernando Veríssimo, e na realidade, é de uma mina aqui de Santa Catarina? Sarah Westphal. Pensa num poema bonito! Texto fluído, limpo, claro, coisa genial, pra vida toda… A responsabilidade é grande. Talvez até chore. Eu queria falar de um jeito que o povo se emocionasse… Vamos combinar: se ficar aquele silêncio do cão, você me aplaude?

Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono… […] Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.

Reginaldo declamou pelos corredores do Celso Ramos esse poema. Anos depois faria o mesmo já se graduando em Historia pela FURJ. Nunca foi do quase, foi sempre adiante. Creio que declamou tanto que entendeu que a vida é dos pra frente, onde ele foi, onde ele está, e ainda segue. Anos depois, diretor da Biblioteca Pública Municipal eu o vi, eu um voluntário da leitura para cegos, se apresentava num sarau, era quarta feira. Reginaldo, com a família presente, novamente declamava o Quase. Lembro de uma menina cega que ficou emocionada. Lembro da esposa dele emocionada. Lembro de eu tê-lo agradecido pela poesia que nunca esqueci. O historiador fez história em mim, e quando o vejo, eu quase consigo voltar na essência exata daquele dia, preenchendo uma lacuna da memória que apaga a aura do instante, e quase nos transporta, integralmente, para o mesmo lugar.

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